Causou espanto o anúncio feito nesta sexta-feira (17) pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de rompimento com o governo federal. Quer dizer que antes ele estava alinhado com o Planalto?
Se o primeiro semestre gerou desapontamento entre os que torcem para o Brasil, as perspectivas para os próximos meses são sombrias. Cunha se acha no direito de chantagear governo e colegas deputados. Ameaça permitir a instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) com potencial dano à presidente Dilma Rousseff e ao PT. E, segundo os delatores da Lava Jato, o presidente da Câmara também é um homem violento, que poderia, por meio de terceiros, causar algum tipo de represália.
Ao longo dos últimos 12 anos, desde que ingressou na Câmara Federal, Cunha se inteirou dos meandros do poder e do funcionamento do legislativo. Seu conhecimento do regimento o alçou a posições cada vez mais elevadas. Se usasse para uma gestão democrática seria ótimo, mas os atos do peemedebista são autoritários e personalistas.
Cunha manobrou para colocar em votação, em menos de 24 horas, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reduz a maioridade penal. Do ponto de vista constitucional foi questionado, pois uma PEC rejeitada em plenário não poderia ser votada novamente na mesma legislatura – quem dirá na mesma semana!
Mas ele, com o argumento de que o texto era outro – colocou a matéria em votação. Além de manobrar, Cunha fez uma chantagem aos olhos de todos no plenário e da TV Câmara. Com o celular e uma lista, ligava para os deputados que tinham sido contrários à PEC no dia anterior para tentar angariar os votos que garantiriam a aprovação. Isso é papel que cabe ao presidente de um dos poderes da República?
Pelas suas qualidades, Cunha teria potencial para ser um grande líder político. Pela sua ambição, se revela, aos poucos, um aprendiz de ditador.
É triste constatar que o peemedebista só chegou onde chegou porque a grande maioria dos deputados brasileiros não passa de massa de manobra. Um grupo de deputados, porém, colocou a boca no trombone e assinou embaixo do documento “Um semestre de retrocessos”, para resumir os trabalhos da Câmara em 2015.
Como Eduardo Cunha tinha um pronunciamento a fazer nesta sexta em cadeia nacional de rádio e TV para exaltar sua gestão, fica aqui um espaço para o contraponto. Segundo o documento produzido por um grupo de 18 deputados do PSol, PT, PPS, PSB e PCdoB, nunca a Câmara votou de forma tão atropelada; nunca a Câmara passou por tantas suspeitas de atos ilícitos; e nunca houve uma gestão tão autoritária.
Entre os retrocessos apontados por esse grupo estão:
– Engavetamento da CPI dos Planos de Saúde, por decisão de Cunha, que tem entre seus financiadores de campanha empresas do setor;
– Tramitação acelerada do projeto de lei que permite a terceirização de atividades-fins;
– Descaso com o relatório produzido pela Comissão Especial da Reforma Política, já que este não agradou a Cunha;
– Manobra para votação que permite financiamento empresarial das campanhas políticas, um dia após o plenário ter rejeitado. Reforma política patrocinada por Cunha joga para o alto teto do limite de gastos de campanha e restringe o período de debate eleitoral;
– Denúncias em série contra Cunha, que usa do cargo para atacar a Procuradoria-Geral da República;
– Insistência na construção de um anexo na Câmara dos Deputados – batizado de “parlashopping”, apesar de a opinião pública ter se manifestado contra;
– Fechamento de galerias, impedido a manifestação durante votações de temas polêmicos;
– Criação de uma Secretaria de Comunicação da Câmara e de uma Secretaria de Assuntos Internacionais, chefiados por deputados indicados por Cunha e com pouca transparência sobre determinações e gastos realizados;
– Dispensa de funcionários da Casa que poderiam ter contribuído com reportagens que criticaram atos e projetos de Cunha.
PMDB
Pelo seu perfil, não parece que Cunha vá recuar ou mudar sua gestão. Infelizmente, a força política de Dilma – o pouco que ela tinha – já derreteu. Neste cenário de incertezas, talvez só o próprio PMDB de Cunha tenha forças para segurá-lo. A colcha de retalhos peemedebista pode ser a salvação.
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