É preciso se conformar: não há argumento algum que demova certas pessoas de serem entusiastas da ditadura que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Torturas confessas, censuras, cassação de direitos individuais e coletivos, perseguição, corrupção, estouro da dívida pública, nada disso abala tais espíritos. Para essas pessoas, tudo isso se torna justificável na luta contra um suposto comunismo que estaria prestes a tomar o Brasil. Volto ao tema da coluna passada porque o contato de alguns leitores suscitou novas observações.

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Respeito as opiniões pessoais de cada um, mas, como nação, temos muito a ganhar ao olhar e reconhecer os erros do passado. Na verdade, qualquer pessoa, empresa, instituição ou país sai ganhando ao aprender as lições que se colocam. Com isso, é possível seguir em frente, avançar.

Entendo que, na década de 60, o golpe poderia parecer o melhor caminho a ser seguido. Mas logo comprovou ser um desastre. A Igreja Católica, que foi apenas um dentre tantos setores civis que apoiou os militares, divulgou nesta semana um mea-culpa, ressaltando que mudou de lado tão logo se tornou conhecido o desrespeito aos direitos humanos. A nota, assinada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), declara que ainda existe "muita sombra a encobrir a verdade sobre os 21 anos que fizeram do Brasil o país da dor e da lágrima".

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Voltando ao passado: como vem mostrando a Gazeta do Povo na série especial "Pátria Armada Brasil", entre 1963 e 1964, a inflação brasileira batia os 140%, fruto da caótica gestão do então presidente João Goulart. Além disso, Jango propôs reformas que até hoje encontrariam muita resistência na sociedade.

Porém, o extremismo não veio de Jango, mas do outro lado, que o taxava de comunista. Mesmo com a "má-fama", Jango tinha apoio popular, segundo pesquisa do Ibope feita à época. Às vésperas do golpe, um levantamento mostrou que quase 70% da população aprovava as medidas do governo, e que Jango tinha grandes chances de vencer a eleição presidencial no ano seguinte. O fato foi lembrado pela Câmara dos Deputados na semana passada.

Há quem goste de ressaltar que a guerrilha que se formou no Brasil matou civis inocentes, e que por isso a mão forte do Estado era necessária. Recentemente, FHC, em entrevista à Folha de S. Paulo, lembra que a guerrilha brasileira era frágil e dividida. "E a repressão achou que estivesse diante de um inimigo fortíssimo, e usou os instrumentos mais reprováveis e cruéis contra ele. Uma coisa inconcebível. Aquilo era nada, e toda a força do aparelho de Estado foi mobilizada", declarou.

Cidadãos que têm se posicionado a favor do golpe militar geralmente são os mesmos que criticam o governo do PT. Dizem que o Brasil estava melhor naquela época. Independentemente da avaliação que cada um faz sobre isso, o fato é que o Brasil poderia ser um país melhor caso reconhecesse e aprendesse com seus erros.

Como seríamos hoje se a tortura fosse considerada um erro por toda a sociedade? Se a gestão ditatorial fosse considerada por todos os brasileiros um grande equívoco? Se os detalhes e a repercussão do falso "milagre econômico" fossem devidamente compreendidos por todos? Se a oposição da época fosse mais hábil e os partidos de esquerda não assumissem posturas que condenavam nos demais?

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Não há como saber ao certo, mas minha opinião é que, se as lições tivessem sido aprendidas, o Brasil hoje não iria mais tolerar o desrespeito aos direitos humanos e o abuso policial. Haveria menos espaço para a gestão via medidas provisórias – adotada por FHC, Lula e Dilma – e também menos espaço para o "rolo compressor" aplicado pelos governadores nas assembleias estaduais. Talvez não houvesse tanto espaço para a propaganda enganosa de governos em todos os níveis. E não viveríamos essa triste gangorra, na qual o partido governista sempre se corrompe e a oposição patina, se fazendo de santa, apenas enquanto aguarda a vez de ganhar uma eleição para se lambuzar no poder.

A corrupção e os desmandos na política brasileira nunca foram devidamente punidos, nem ao menos condenados moralmente pela sociedade como um todo. O que motiva os governantes a agirem de forma diferente? Parece que é preciso se conformar. Mas é preciso mesmo?

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