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Há quem ainda defenda a ditadura que se instalou no Brasil em 1964 dizendo que, se não fosse por ela, estaríamos em situação pior. Bom, cada um tem sua própria opinião, e em uma democracia convivemos – felizmente – com milhares de pontos de vista. Mas temos de convir que, ao falar sobre o passado, suposições com "se" e "teria sido pior" não apontam nada conclusivo e são meros passatempos intelectuais.

Não há maneira de saber como o Brasil seria hoje caso o golpe de 50 anos atrás não tivesse ocorrido. Podem-se fazer conjecturas, mas não mais do que isso. Isso vale para qualquer fato passado, em qualquer lugar. O presidente John Kennedy certamente contava com o apoio da maioria da população norte-americana quando mandou tropas fortemente armadas para o Vietnã no início dos anos 60. O objetivo era barrar a ameaça comunista, mas a operação toda foi um fracasso, que destruiu milhares de vidas e desperdiçou recursos. Os norte-americanos aprenderam algumas lições com o ocorrido, mas não negam os horrores da guerra. E o bom senso não dá muito espaço para que se diga que a guerra era realmente necessária para conter o avanço do comunismo.

A história de um país não é feita de "ses" ou de "teria sido pior". A história é feita do que ocorreu, e sobre esses acontecimentos é que podemos fazer um debate de verdade, com fatos, números, argumentos e contra-argumentos.

Por exemplo: Fernando Collor de Mello derrotou Lula na eleição presidencial de 1989. Mas sua passagem pelo Palácio do Planalto foi traumática para o Brasil: o confisco das poupanças destruiu vidas e sonhos de cidadãos comuns. Collor foi um desastre político, e os escândalos de corrupção em que se envolveu motivaram o pedido de impeachment em 1992. Por outro lado, Collor foi responsável pela abertura e modernização da economia brasileira, com a redução das barreiras tarifárias e não tarifárias.

Um admirador de Collor poderia fazer um discurso agora, defendendo que a nação pedisse desculpas ao ex-presidente. Diria que ele foi um "mal menor", pois, se Lula vencesse em 89, o Brasil estaria em situação pior. Lembraria que as reformas econômicas iniciadas por Collor foram essenciais para pavimentar o caminho do Plano Real.

Um discurso desse tipo seria aplaudido? Por acaso as melhorias promovidas por Collor justificariam o desrespeito às normas legais? Justificariam o confisco da poupança e todo o sofrimento pelo qual as pessoas passaram?

Em outras palavras: para avaliar qualquer governo de forma justa e transparente, falamos sobre o que foi feito e as consequências. Não há como fazer avaliações falando de suposições sobre o passado, sobre conclusões hipotéticas ou sobre visões ficcionais do que ocorreu ou deixou de ocorrer. Collor promoveu avanços, mas também retrocessos. O Plano Real, instituído ainda no governo de Itamar Franco, tirou o Brasil do redemoinho inflacionário. Mas cobrou seu preço, gerando alto déficit fiscal e arrocho salarial. As políticas sociais do governo Lula e Dilma tiraram milhares de brasileiros da pobreza. O descontrole fiscal, porém, está pressionando a inflação.

Enfim, as análises de gestão invariavelmente abrangem os pontos positivos e negativos de cada governante. Não abrangem as coisas que supostamente deixaram de ocorrer. Por isso causa espanto certos textos atuais que defendem a ditadura ocorrida no Brasil.

Com o "milagre econômico" conquistado pelos generais no poder, o país atingiu taxas de crescimento na casa dos 10%. Mas era um modelo insustentável e altamente concentrador de renda. E, o mais grave: era um governo que torturava, matava e fazia outras coisas impublicáveis, conforme atestam documentos e confissões. Tudo isso é fato.

Se alguém por aí acha que os militares – e os civis que os apoiaram – "salvaram" o país da ameaça comunista e promoveram o desenvolvimento do país, tudo bem, cada um tem sua opinião, já concordamos com isso. Mas é uma opinião forjada em convicções pessoais, e não em fatos. E é bastante arrogante imaginar que a nação brasileira, relembrando os 50 anos do golpe, se renda a opiniões pessoais cheias de "ses" e de "teria sido pior".

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