Taí uma mudança importantíssima que o Congresso poderia bancar em nome do interesse público: acabar com as emendas da meia-noite. Antes mesmo de o juiz Sergio Moro criticar as votações que se arrastam pela madrugada, outros parlamentares já tinham reclamado dessa prática, comum no Legislativo.
O deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG) recorreu ao bom-humor para tentar sensibilizar os colegas. Em plenário, defendeu o fim do expediente no plenário às 23 horas. “Não tem nada depois da meia-noite que funcione bem, a não ser boate e casa de show. Aqui, passou da meia-noite, a sociedade começa a não ganhar, como não ganhou”, disse, a respeito da votação que desfigurou o pacote de medidas contra a corrupção.
Em meio à discussão de abuso de autoridade, os parlamentares bem que podiam incluir as emendas da meia-noite como infrações. É um abuso o que fazem, sob a desculpa de independência e autonomia do Legislativo.
É fato que muitas votações se arrastam e são jogadas noite adentro porque o regimento das Casas permite um sem-número de medidas protelatórias. Muitas vezes, a oposição quer atrapalhar as votações da base governista, e se vale dos instrumentos que estão à mão. Outras vezes, porém, o horário avançado das votações decorre do planejamento calculista e sórdido dos líderes, que preferem liquidar assuntos espinhosos no meio da madrugada.
A moralidade e a transparência na administração pública requerem uma mudança no regimento. Não apenas quanto aos horários, mas quanto aos procedimentos. Se um tema tão relevante como o das medidas contra a corrupção é levado para discussão em uma comissão especialmente criada para tal fim, não é adequado que o plenário mude ao seu bel-prazer propostas que foram anteriormente discutidas em audiências públicas com especialistas e representantes da sociedade civil organizada.
A comissão especial realizou 15 audiências públicas entre 15 de agosto e 20 de outubro, além de 20 reuniões deliberativas. Estava cumprindo seu papel. Afinal, não era de se imaginar que a Câmara pegaria o pacote de medidas contra a corrupção apresentado pelo Ministério Público Federal e simplesmente assinasse embaixo.
Com base nas audiências públicas, nos pareceres dos consultores legislativos e nas sugestões dos deputados – indicados pelos partidos – a comissão aprovou o texto do projeto. O fato de o plenário ter liberdade para estraçalhar o projeto constitui de fato um abuso.
Medida semelhante foi tomada recentemente por – olha quem – Eduardo Cunha (PMDB-RJ), enquanto presidente da Câmara. Em 2015, ele instalou uma comissão especial para tratar da reforma política. O ex-deputado não gostou da proposta do relator, Marcelo Castro (PMDB-PI), por contrariar seus interesses. Castro usou no relatório as propostas debatidas em três meses de audiências públicas. O texto nunca foi votado na comissão e a reforma política foi votada diretamente em plenário.
(E agora, um ano e meio depois, o Congresso discute nova reforma política, porque a anterior foi um remendo – desenhada apenas para atender os interesses de Cunha e outros caciques).
Respeito
O atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pediu respeito ao resultado da votação das medidas contra a corrupção. Aos descontentes com a votação, recomendou que tentem se eleger em 2018. Ele precisa tomar cuidado com a concorrência, porém. Em 2014, recebeu apenas 53,1 mil votos, e foi o 29º mais votado no Rio de Janeiro. O colega Chico Alencar (PSol-RJ), por exemplo, que vem combatendo todos os abusos e deslizes éticos cometidos por Cunha ou qualquer outro, recebeu 195,9 mil votos, o quarto mais votado.
Paraná
Vai se aproximando o fim do ano e começam a surgir apostas: quais projetos serão votados pela Assembleia Legislativa do Paraná às vésperas do recesso, no meio da madrugada? O histórico mostra que os deputados paranaenses são especialistas na prática. Poderiam fazer um exame de consciência a partir do vexame da Câmara e deixar de lado as emendas da meia-noite.
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