280 municípios do Paraná têm população inferior a 15 mil habitantes. Todos eles podem ter nove vereadores, independentemente da receita corrente municipal, que varia de R$ 8,4 milhões a R$ 35,1 milhões.
É bem provável que, na próxima terça-feira, nós brasileiros recebamos mais um presente de grego embrulhado pela Câmara dos Deputados. Está prevista a votação do Projeto de Lei Complementar nº 416/2008, que libera novamente a criação de municípios no país. O texto já foi aprovado pelo Senado e estabelece algumas regras mínimas para evitar a febre emancipatória que tomou conta de muitas localidades na década de 90, mas está longe de ser o que o Brasil precisa.
Na verdade, o projeto vai pela direção oposta. O ideal é diminuir o número de municípios. Certamente há exceções, sobretudo nas regiões Norte e no Centro-Oeste, onde as distâncias entre os distritos e as sedes prejudicam a administração local. Mas, no geral, há um excesso, e por isso a necessidade mais urgente é discutir propostas para reverter essa situação.
O Paraná, por exemplo, tem 98 municípios com população inferior a 5 mil pessoas. São microcidades, com baixíssima capacidade de arrecadação, mas que gastam milhões com a máquina pública. A menor cidade do estado, Jardim Olinda, com 1,4 mil habitantes, tem nove vereadores. O mesmo que Candói, por exemplo, com 14,9 mil habitantes. Será justo?
Justo talvez não, mas legal. Está previsto em lei, pois o Congresso aprovou a Emenda Constitucional nº 58/2009, que estabelece que o número mínimo de vereadores é nove, para cidades com até 15 mil habitantes. A questão é que Candói teve R$ 35,1 milhões em receitas correntes em 2012, contra apenas R$ 8,4 milhões de Jardim Olinda. A EC limita o gasto do Legislativo municipal em 7% das receitas, então a Câmara de Vereadores de Jardim Olinda precisa gastar bem menos do que a de Candói. Pra começar, ajudaria bastante se houvesse menos vereadores. Fica a dica.
Observação: não tenho nada contra ou a favor destes municípios específicos, não sei como fazem a gestão do dinheiro público e nem a qualidade dos serviços que prestam à população. São apenas cidades que estão em pontas opostas de uma tabela, e ajudam a entender o descaso dos nossos políticos com o dinheiro público.
Podemos dar um desconto aos parlamentares, porque a situação atual é fruto das decisões de 20 anos atrás. Mas não dá para perdoar a tentativa de abrir a porteira para novos municípios sem antes fazer algo para resolver os problemas existentes.
A questão dos médicos, por exemplo. Muitos deputados vão à tribuna e fazem discursos inflamados sobre a falta de profissionais, a falta de equipamentos etc. Será que eles não veem que as cidades pequenas, com baixa arrecadação, são as que mais sofrem para contratar pessoal qualificado? Será que eles conseguem associar uma coisa com a outra?
Certamente há municípios extensos, onde longas distâncias podem custar vidas, mas, no geral, são exceções. Curitiba tem 435 quilômetros quadrados. Há 246 cidades no Paraná com menos área, das quais 100 têm menos da metade do território da capital.
No geral, há diversos casos de cidades que poderiam se unificar, juntando receitas e dividindo as despesas. Ganho de escala é fundamental em qualquer empresa, e a mesma lógica se aplica ao poder público. Para começar, mais pessoas significa mais mão de obra. Se houver cursos qualificantes, logo as empresas vão optar por se instalarem por ali. As empresas geram tributos, alimentando os cofres públicos. Com mais dinheiro, a prefeitura melhora a infraestrutura local, atraindo mais pessoas e empresas. Com o desenvolvimento, não é preciso oferecer salários exorbitantes por médicos ou qualquer profissional. A qualidade de vida é o melhor atrativo.
No geral, os prefeitos e vereadores têm um papel crucial a desempenhar, mas é preciso reconhecer que em cidades tão pequenas eles têm poucas chances de fazer algo relevante. Nesses casos, a dificuldade de arrecadação não pode ser vista como uma falha. É quase inevitável depender de transferências.
Quem falha são os parlamentares, preocupados demais em criar currais eleitorais e despreocupados com a boa gestão e os cofres públicos. Há quem já se manifestou contrário ao PLP n.º 416/2008, como o deputado federal Alfredo Kaefer (PSDB-PR). Mas é preciso muito mais votos para barrar o retorno da sanha emancipatória.
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