Apesar de a Comissão Nacional da Verdade (CNV) ter concluído, em relatório preliminar de abril deste ano, que a morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek foi acidental, um grupo de trabalho (GT) ligado à Comissão Estadual da Verdade de São Paulo vai continuar a investigar a morte do ex-presidente por entender que há fatos não esclarecidos sobre o caso. Nessa sexta-feira (29), o grupo ouviu, em audiência pública, dois juristas que apresentaram pareceres que dar sustentação ao trabalho. O GT reúne 15 estudantes, além de dois professores orientadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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O professor da Faculdade de Direito da USP, Gilberto Bercovici, apresentou parecer jurídico no qual avalia que o ônus da prova sobre a morte de Juscelino deve ser do Estado brasileiro, a exemplo do que acontece no Direito do Consumidor. "Por que não utilizar o mesmo princípio para análise dos fatos de uma vítima do estado de exceção? É um Estado que viola a própria regra para se manter, se preservar. Por que acreditar que o laudo feito naquela época é verdade?", questionou. Ele propõe que essa mesma lógica seja aplicada a todas as vítimas da ditadura militar.

Bercovici defende a tese de que, da mesma forma que talvez não seja possível comprovar que Kubitschek foi assassinado, também não é possível atestar que foi um acidente. "Há 40 anos, discute-se se aquilo foi um acidente ou não. Como se pode afirmar de maneira categórica que foi acidental, como fez a Comissão Nacional da Verdade?", criticou. O professor apontou que o relatório da CNV levou em conta apenas o laudo feito à época pelo próprio regime militar, sem ouvir testemunhas da época que ainda estão vivas. O GT selecionou 38 pessoas a serem ouvidas no âmbito das investigações.

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A versão oficial sobre a morte aponta que Juscelino e seu motorista, Geraldo Ribeiro, morreram em agosto de 1976 em um acidente de trânsito na Rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro. O carro em que estava o ex-presidente colidiu com uma carreta após ter sido fechado por um ônibus. O professor de direito do Mackenzie, Marco Aurélio Braga, que coordena o GT, destaca, entre as questões que precisam ser esclarecidas, o fato de a morte ter sido divulgada na imprensa 15 dias antes de ocorrer, a adulteração da posição dos veículos antes da perícia, a colocação do corpo do motorista em caixão lacrado enquanto o presidente estava enrolado em um lençol.

Também participou da audiência o jurista argentino Luis Gabriel Moreno Ocampo, que atuou no julgamento das violações de direitos humanos cometidas pela ditadura argentina e foi promotor do Tribunal Penal Internacional. "Os países que investigaram o seu passado têm menos denúncias de torturas nas investigações do presente. Precisamos citar o Brasil como um exemplo claro disso. Um país que não revisou o seu passado e tem alto nível de torturas e execuções extrajudiciais", declarou. Ele aponta que o esclarecimento da morte de Kubitschek é importante não só para a verdade histórica, mas para pensar hoje como Brasil desenvolve políticas de segurança.

Assim como foi feito por Bercovici, Ocampo vai produzir um parecer jurídico para subsidiar o trabalho do GT. Marco Aurélio Braga explicou que esses documentos vão orientar a metodologia adotada pelo grupo. O produto deste trabalho, ainda sem prazo definido de conclusão, será levado à CNV e, após avaliação, dar subsdídio para incursão na via judicial. O presidente da Comissão Estadual da Verdade, deputado estadual Adriano Diogo, participou da audiência pública.

A Agência Brasil procurou a CNV para comentar as críticas feitas pelo grupo, mas não houve retorno até a publicação da reportagem.

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