A pouco mais de 40 dias do recesso de final de ano, que praticamente marca o fim das atividades da atual legislatura no Congresso, deputados do Conselho de Ética da Câmara adiaram mais uma vez a decisão sobre abertura de investigações para apurar denúncias relacionadas ao deputado Rodrigo Bethlem (PMDB-RJ). Depois de uma reunião confusa, com pedido de adiamento que acabou derrotado, o relator do processo, Paulo Freire (PR-SP), que recomendava a apuração, decidiu, na última hora, retirar seu parecer.
Foi a terceira tentativa do Conselho de Ética sobre o caso Bethlem. O acusado, que apareceu na reunião dessa terça-feira (11), apresentou uma série de documentos e argumentos para evitar as investigações. Ex-secretário de Assistência Social do Rio de Janeiro, o parlamentar é acusado de desvio de recursos no período em que ocupou o cargo.
A representação contra Bethlem foi apresentada pelo PSOL, que entregou ao Conselho de Ética a transcrição de gravações feitas em 2011, pela ex-mulher do deputado, Vanessa Felippe. Nas gravações, Bethlem relata receita de R$ 100 mil por mês, e explica que parte do dinheiro era resultado de convênios com uma organização não governamental (ONG) que cadastrava famílias em programas sociais.
Pela transcrição, os convênios rendiam ao deputado "em torno de R$ 65 mil a R$ 70 mil". Segundo o PSOL, o deputado recebia também R$ 15 mil de uma empresa que fornecia refeições para ONGs. Em sua defesa, Bethlem explicou que as gravações apresentadas foram feitas na primeira conversa de negociação de divórcio com a ex-mulher, que foram editadas. O deputado ainda apresentou declaração da ex-mulher ao colegiado. "Ela atesta que todas as informações que encaminhou [às revistas] 'Época' e 'Veja' são fatos inverídicos e descontextualizados", disse ele, e declarou que o documento, reconhecido em cartório, foi entregue pelo advogado de Vanessa Fellipe. O parlamentar ainda apresentou carta assinada pela psiquiatra responsável pelo tratamento da ex-mulher, declarando que Vanessa sofre de um transtorno capaz de provocar distorções da realidade.
Bethlem ressaltou que só teve acesso às denúncias quando foram publicadas pelas revistas, e disse que tudo o que foi dito no dia foi para tentar evitar que a ex-mulher cometesse o suicídio, como ameaçava fazer, incluindo a declaração de uma conta na Suíça. "Foi uma bravata. Nada além disso. Não há nos meus passaportes registro de entrada na Suíça", afirmou. O parlamentar ainda apresentou cópia da declaração de Imposto de Renda, e disse que em 21 anos de política não sai mais rico do que entrou. "Meu patrimônio caiu 40%. Também posso dispor de todas as minhas contas bancárias", disse.
O deputado Paulo Freire explicou que seu parecer recomendava o início das investigações dos fatos e documentos."Ninguém tem prazer em condenar, nós temos a obrigação de investigar quando existe indício". Para tentar convencer outros deputados, ainda destacou a segurança de Bethlem diante do caso. "O deputado está seguro de que não existem documentos que possam condená-lo. Nós não podemos afirmar isso, porque não tivemos acesso a todas as provas. Se o representado está tão seguro, não existe nenhum temor [diante das investigações]", disse antes de desistir da relatoria.
Freire ainda contrapôs os pareceres dos peritos que analisaram a gravação. "Temos, na acusação, duas revistas conhecidas, de circulação nacional, que vincularam a conversa gravada, e o material já foi analisado por um perito, Ricardo Molina, que declara não existir indício de manipulação fraudulenta", destacou, comparando com parecer apresentado por Bethlem, com atestado de outro técnico, para quem a gravação não é completa.
Mauro Lopes (PMDB-MG) tentou evitar a investigação, apresentando voto em separado, pedindo o arquivamento do processo. "Reconheço a ausência de indícios, e a presente representação não deve prosseguir. Voto pelo arquivamento da representação sob análise", disse. Mas a sugestão de Lopes foi vencida.
Adotando tom de prudência, Marcos Rogério (PDT-RO) chegou a sugerir a retirada do processo da pauta, para decidir com mais calma sobre o andamento do caso, e apresentou requerimento para adiar a decisão, mas foi vencido antes de o relator retirar seu parecer. Ainda assim, Marcos Rogério se manifestou favorável ao processo. "Os fatos ainda são desconhecidos [com mais] profundidade pelos membros do conselho" disse, acrescentando que os documentos apresentados por Bethlem poderiam contribuir para uma decisão.
Neste momento, apenas com as afirmações que foram feitas, abrir mão da abertura do processo, estaríamos agindo de forma temerária. Ainda não estamos diante das provas e elementos que levaram à representação. Não temos como apurar se as afirmações são verdadeiras ou não", segundo ele, e garantiu que não tem qualquer predisposição para condenar ou absorver.
Com tempo apertado, as possibilidades de absolvição ou punição do parlamentar se tornam remotas. Pelo regimento do colegiado, o processo contra um parlamentar pode durar até 90 dias. Ainda que os parlamentares corram contra o tempo, a tendência é que a defesa de Bethlem opte por usar todo o tempo possível. Chegando ao final da legislatura, com a posse de novos deputados, em fevereiro de 2015, sem um parecer sobre o caso, o processo é automaticamente arquivado, e só pode ser retomado a pedido de algum deputado ou partido.
Em situação semelhante ao do ex-secretário do Rio de Janeiro, estão os deputados petistas da Bahia, Rui Costa -eleito governador do Estado-, Afonso Florence e Nelson Pellegrino -ambos reeleitos para mais um mandato- acusados de envolvimento no desvio de R$ 17,9 milhões do Fundo de Combate à Pobreza, desde 2004, destinados à construção de mais de 1,1 mil casas populares para famílias de baixa renda. Os relatores dos processos foram escolhidos hoje: deputado Ronaldo Benedet (PMDB-SC) vai analisar o caso de Costa; o deputado Roberto Teixeira (PP-PE) examina o de Florence; e o deputado Vladmir Costa (SDD-PA) vai relatar o caso Pellegrino.
As representações foram apresentadas pelo PSDB e DEM, baseadas em denúncia publicada, em setembro, pela revista "Veja", mas os processos que ainda nem têm relatório preliminar sobre a necessidade de investigação, podem ser arquivados antes de uma decisão do colegiado.