Indicado na terça-feira (14) para o Supremo Tribunal Federal (STF), o jurista paranaense Luiz Edson Fachin traz em seu currículo contribuições importantes para o Direito brasileiro. Junto com outros juristas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), foi um dos responsáveis pela criação do núcleo de estudos de Direito Civil-Constitucional – cujas teses trouxeram novos enfoques para o estudo do Direito Civil no país.
Ele também foi responsável por teorizar conceitos como a paternidade socioafetiva e a tutela do patrimônio mínimo, além de ter obras na área de direito da posse e propriedade. Essa bagagem acadêmica foi um fator importante para sua indicação, e poderá embasar suas futuras decisões.
Para a professora de Direito Constitucional e vice-diretora da Faculdade de Direito da UFPR, Vera Karam Chueiri, a área de estudos do Direito Civil-Constitucional no Brasil foi “construída” por Fachin. Antes dele, essas duas áreas eram vistas como coisas distintas – o que resultava em interpretações do direito privado que se chocavam com o texto constitucional.
Para ela, isso pode fazer a diferença na maneira como Fachin poderá julgar dentro do STF – e na maneira como seu pensamento pode influenciar o de outros ministros da Corte. “Essa visão agrega uma percepção mais sensível do Direito Civil. Normalmente, civilistas tem uma visão restrita ao âmbito do direito privado”, afirma.
Academia
Conheça algumas teses de Luiz Edson Fachin sobre o Direito:
A constitucionalização do Direito Civil
Para muitos, essa é a maior contribuição de Fachin para o Direito brasileiro. Para ele, a Constituição, lei maior do país, deve embasar o Direito Civil. Esse entendimento fundamenta sua obra acadêmica, que entende que a interpretação do direito privado não deve ser feita somente a partir do texto da lei, mas também dos princípios constitucionais.
Paternidade socioafetiva
Fachin foi um dos responsáveis por conceitualizar a paternidade socioafetiva. Ele entende que os vínculos de paternidade não são restritos a questões biológicas, mas também às questões afetivas. Isso possibilita, por exemplo, que um enteado criado como filho possa ter direito à herança do padrasto, ou a uma pensão alimentícia.
Garantia do patrimônio mínimo
O Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo foi apresentado por Fachin como tese para o concurso de professor titular da UFPR. Ele entende que o princípio constitucional da pessoa humana pressupõe que o ordenamento jurídico deve sempre procurar garantir um mínimo de patrimônio ao cidadão.
Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, o jurista Rodrigo da Cunha Pereira destaca que Fachin apresentou teses “inovadoras, mas ponderadas”. “Ele foi um dos responsáveis pela compreensão de que o Direito Civil só pode ser visto à luz do texto constitucional. Sua contribuição reverbera na valorização da Constituição”, diz. Vale lembrar que uma das principais funções do STF é justamente fazer o controle da constitucionalidade.
Pereira destaca que a contribuição de Fachin ao Direito de Família, sua área de estudos, também foi fundamental. Uma das principais contribuições nesta área é a tese da paternidade socioafetiva. No entendimento de Fachin, o reconhecimento da paternidade não pode ser restrito a questões biológicas, mas também deve considerar questões afetivas – uma visão baseada no princípio constitucional do melhor interesse do menor.
O currículo Lattes de Fachin ajuda a dimensionar sua contribuição acadêmica – ainda que os números muitas vezes possam ser enganosos. Desde 1976, quando iniciou sua graduação em Direito na UFPR, foram 145 artigos científicos publicados, 42 livros e 137 capítulos de livros escritos e 130 textos publicados em jornais e revistas, abordando desde a estrutura do ensino superior no Brasil até a morosidade da Justiça brasileira.
Advogado
Outra questão importante sobre Fachin é que, ao contrário da maioria do STF, ele é oriundo da advocacia – hoje, apenas José Antônio Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso têm esse perfil.
Para Vera, é importante que haja um equilíbrio na origem dos ministros, visto que diferentes posições significam diferentes pontos de vista sobre o Direito. “Um advogado vem com essa perspectiva de quem está do outro lado, de quem provoca o Poder Judiciário. É quem está mais próximo do campo dos conflitos e dos fatos”, conclui.
Apoio do paranaense a Dilma em 2010 causa polêmica
Um vídeo de Luiz Edson Fachin pedindo votos para a presidente Dilma Rousseff (PT) em 2010 causou polêmica após sua indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF). No vídeo, o jurista defende a eleição de Dilma para “garantir as conquistas” da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente. No vídeo, ele também critica o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-procurador-geral da República Geraldo Brindeiro. A manifestação, entretanto, não pode ser vista como um impeditivo para que ele assuma o cargo de ministro, segundo especialistas do Direito.
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Rodrigo da Cunha Pereira, a ética de Fachin está “acima de qualquer suspeita”, e, como jurista, “sabe separar questões de cunho pessoal”. “Se ele fez ou não campanha para Dilma, isso não interessa, não deveria nem ser um argumento”, afirma.
Posição parecida tem o professor de Direito Constitucional da PUC-RS Ingo Sarlet. Para ele, o jurista paranaense tem uma “postura tranquila e posições equilibradas”, além de ser um “nome de envergadura” no meio acadêmico. “Espero dele independência. Como acadêmico, sempre soube manter uma independência de posicionamento”, afirma.
Já a professora de Direito Constitucional da UFPR Vera Karam Chueiri lembra que outros ministros chegaram até a exercer cargos nas gestões dos presidentes que os indicaram – é o caso de Gilmar Mendes e José Antônio Dias Toffoli, que foram advogados-gerais da União nas gestões de Fernando Henrique e Lula, respectivamente.
“As pessoas se posicionam politicamente. Ele estava se pronunciando como um cidadão naquele momento específico, e não vejo problema algum”, afirma a professora.
Entretanto, para que Fachin seja empossado, é preciso convencer os senadores disso. Após a indicação, feita pela presidente, cabe ao Senado sabatinar o indicado – segundo o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), isso deve acontecer no dia 29 de abril.
Há a possibilidade de veto – ainda que isso tenha ocorrido apenas cinco vezes na história do país, todas há mais de um século. Parlamentares de oposição fizeram críticas e lançaram dúvidas sobre a autonomia do jurista por causa dessas declarações. (CM)