Os aliados dos novos governantes eleitos em outubro parecem não ter prestado muita atenção ao discurso feito para os eleitores. No Congresso, os deputados e senadores aprovaram aumento de 61,8% para si próprios, criando um efeito cascata de quase R$ 2 bilhões para municípios e estados em todo o país. Ou seja: não adiantou Dilma Rousseff ter dito que melhoraria o gasto público e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ter defendido um aperto fiscal para 2011. Os congressistas também elevaram as despesas do orçamento para o ano que vem e nem se lembraram que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que era necessário cortar R$ 8 bilhões do gasto previsto.
No Paraná, aconteceu fenômeno semelhante. Beto Richa (PSDB) prometeu um choque de gestão. Mas antes mesmo de iniciar seu governo, a Assembleia Legislativa, majoritariamente composta por aliados do governador eleito, decidiu aprovar despesas extras de R$ 123 milhões, com reajustes a funcionários públicos dos três poderes.
As votações desta semana evidenciaram que, na verdade, a preocupação do Legislativo com a diminuição de gastos tem servido apenas para conter despesas que beneficiam diretamente a população. Quanto está em jogo o interesse pessoal e corporativo de parlamentares e políticos, a austeridade fica de lado e o aumento de despesas não é a preocupação essencial, segundo economistas e cientistas políticos. "O Legislativo no Brasil é uma ilha. Os parlamentares estão isolados da sociedade", acredita o sociólogo e cientista político Marco Rossi, da Universidade do Norte do Paraná (Unopar).
O sistema de "dois pesos, duas medidas" ficou claro na quarta-feira. Um cálculo revelou que as despesas com salários públicos aprovadas naquele dia seria suficiente para aumentar o salário mínimo em R$ 8, beneficiando trabalhadores, aposentados e pensionistas em todo o Brasil. No entanto, para o mínimo continua valendo o esforço de manter o valor em R$ 540. Assim, quem tem salário indexado ao mínimo terá reajuste de 5,9% bem menor do que os 61,8% dos congressistas.
"Quando legislam em interesse próprio, os projetos passam rápido. Quando há interesse público, é bem mais burocrático", lamenta Gil Castelo Branco, fundador e secretário-geral da ONG Contas Abertas, especializada em acompanhar os gastos públicos. "O poder é dividido (Executivo, Legislastivo e Judiciário) para evitar abusos, mas o que se vê é que os legisladores se sentem donos do patrimônio do país. É o avesso dos conceitos da República", analisa o cientista político Wilson Ferreira da Cunha, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).
Com o aumento do Legislativo, cada um dos 594 congressistas representa custo médio de R$ 128 mil por mês aos cofres públicos. Seus vencimentos passaram de R$ 16,5 mil para R$ 26,7 mil, com validade a partir de fevereiro. O levantamento é subestimado, já que não levou em conta benefícios que não têm valores divulgados ou são de difícil mensuração.
Só palavras
Para os especialistas, este comportamento político aumenta a distância entre o poder público e a sociedade, que é apática e não reage para impedir abusos. Além disso, o economista e consultor da Tendências Consultoria Felipe Salto afirma que a mensagem que fica é que o discurso de cortes de gastos devido ao cenário econômico internacional é só de palavras, sem atitude prática. "Mostra que o governo pode não estar se esforçando tanto [para economizar]."
No Paraná, a situação é replicada. Os deputados não quiseram aprovar o projeto que cria a Defensoria Pública, que custaria cerca de R$ 28 milhões por ano, mas aceitaram, por exemplo, o aumento de salários de secretários estaduais e do governador (com custo anual de R$ 2,4 milhões), pagamento de indenização aos funcionários da Assembleia (com custo de até R$ 74 milhões) e auxílio-alimentação para servidores do Tribunal de Justiça (R$ 20 milhões).
O deputado estadual e futuro líder do governo de Beto Richa, Ademar Traiano (PSDB), defende-se e diz que a defensoria não foi aprovada porque não se tinha certeza do impacto financeiro do projeto. Além disso, alega que foi feita economia ao reduzir o montante do orçamento destinado ao Judicário e ao Ministério Público. "Eles tinham direito a R$ 350 milhões, mas negociamos em R$ 120 milhões. Só poderá aumentar se a arrecadação do estado crescer", disse.