As ações do crime organizado, que espalharam terror e causaram morte por todos os cantos do estado, além de parar a maior metrópole do país, na semana passada, fizeram reacender a polêmica sobre a vulnerabilidade do sistema penitenciário de São Paulo.
Especialistas foram unânimes em afirmar que as cadeias paulistas estão falidas e que a situação se agrava cada vez mais, principalmente em razão de corrupção e falta de investimentos em presídios. Há também quem aponte as facilidades e brechas existentes na Lei de Execuções Penais e no Código de Processo Penal como fonte de fortalecimento do crime organizado.
O ex-deputado estadual Wagner Lino afirma que em 1995 o governo do estado já havia sido alertado pela CPI do Sistema Prisional, da qual era relator, sobre a existência da facção e das falhas dentro dos presídios.
- Na época, a CPI fez 44 recomendações para evitar o caos, mas apenas uma delas, a desativação da Casa de Detenção, foi atendida - comenta.
O advogado Ariel de Castro Alves, coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos, diz que o poder paralelo só existe nos presídios em razão do vácuo deixado pelo estado na gerência do sistema.
- O sistema é tão falido que direitos se tornaram regalias e estão sendo negociados como moeda de troca - comenta.
Nem higiene
Segundo o psiquiatra Paulo Sampaio, coordenador da Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura, o estado não fornece nem mesmo o mínimo para a higiene dos presos, como sabonetes e papel higiênico.
- É com essas pequenas coisas que a facção cresce. Marcola (líder da facção) é ídolo dos presos porque chega a fornecer cestas básicas e brinquedos a famílias carentes de detentos - afirma.
Outra falha do sistema, segundo ele, é permitir que diretores de presídios decidam qual preso pode ser beneficiado com saídas temporárias. Na opinião do defensor público estadual Carlos Weis, a superlotação nos presídios impede a fiscalização e o controle sobre a parcela mais perigosa.
- Somos a favor de penas alternativas para presos primários e envolvidos em pequenos crimes. Se forem para a cadeia, não serão recuperados e ainda cairão nas garras das facções - diz.
Ele também se diz contra a prisão durante o processo. Weis afirma que é contra o endurecimento da legislação penal para todos os presos porque isso só aumentaria a superlotação dos presídios e facilitaria o recrutamento de soldados para a facção.
Privatização
Para o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D'Urso, os presídios deveriam ser privatizados.
- O estado ganha na competitividade e eficiência - afirma D'Urso.
Já o advogado Ariel de Castro Alves tem outra opinião.
- As empresas gestoras de presídios fariam lobby para mudar a lei e, assim, ter mais pessoas presas - alerta Ariel.
O engenheiro Ricardo Chilelli, especialista em segurança e inteligência privada, acha que há liberalidade nas cadeias e vê a progressão de pena como sinônimo de impunidade.
- Celular, superlotação, ociosidade e corrupção transformaram os presídios de São Paulo em escritórios do crime. O preso vai para a cadeia por três motivos: punição, para proteger a sociedade e ser ressocializado. Não se pode esquecer que presídio é lugar para se cumprir pena. Os presos devem ser tratados com dignidade, mas não como vem ocorrendo, a ponto de o estado deixar a situação chegar ao caos em que chegou - diz Chilelli.
Segundo o especialista, nos Estados Unidos, onde se concentra a maior população carcerária do mundo, as visitas íntimas são permitidas apenas em seis dos 50 estados.
- Mesmo assim, têm direito a ela somente presos que cumpriram 50% da pena por crime leve, que têm bom comportamento e que encontram-se em presídios com estrutura para tal, com celas individuais e transparência. E o detento tem de ser casado legalmente e a mulher deve ter ficha limpa - diz.
Para o especialista, outro foco de corrupção que facilitaria a entrada de celulares e drogas nas cadeias é o "jumbo" (alimentos que os familiares levam em dias de visita).
- Isso é incoerente e inconcebível em países de primeiro mundo. Se há comida por que permitir o jumbo? - questiona.
Chilelli também lembra que não há leis que obriguem o preso a trabalhar e a estudar na cadeia.
- Ele só faz isso se quiser - acrescenta.
O secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, reconhece que há corrupção por parte de alguns poucos funcionários do sistema. Segundo ele, a revista mais minuciosa é difícil por causa do alto número de visitas. Sobre a entrada de celulares na cadeia, ele diz que os aparelhos, cada vez menores, são quase imperceptíveis.
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