A organização criminosa que paralisou São Paulo mantém uma espécie de joint-venture com a principal facção do Rio de Janeiro. A associação entre os dois grupos funciona comercialmente, segundo a Polícia Civil e o Ministério Público do Estado de São Paulo. O comércio tem mão dupla: drogas de São Paulo para o Rio de Janeiro, principalmente crack, e armas do Rio para São Paulo. Eventualmente, os criminosos trocam proteção para membros foragidos em cada estado. A associação existe desde 2001, mas tem se intensificado este ano. Agora, os "negócios" são feitos por teleconferência e pessoalmente por "sócios" dos grupos, segundo a polícia.
As duas facções têm uma aliança pontual. Podemos dizer que se trata de uma joint-venture. Embora sejam diferentes, até em seus estatutos está prevista essa ponte Rio-São Paulo. Essa relação existe desde 2001 e tem sido intensa afirma o promotor do Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), Roberto Porto, que investiga a facção paulista.
No "estatuto" que deu origem à facção paulista, apreendido em 1993 e que ainda teria validade, está escrito: "Em coligação com a facção do Rio de Janeiro, iremos revolucionar o país de dentro das prisões". Segundo o promotor, o comando carioca também tem o acordo com os paulistas previsto em seu "estatuto".
O delegado que concentra as investigações sobre a facção em São Paulo, Rui Ferraz Fontes, concorda com o promotor e detalha as operações:
Talvez possamos dizer que se trata de uma joint-ventureporque funciona assim entre eles: "Olha, vocês têm alguns interesses aqui e nós temos outros aí. Vamos respeitar e cuidar duplamente dos nossos interesses".
Até teleconferências nas penitenciárias
Já foram feitas interceptações que revelam as teleconferências entre os bandidos, mas seu conteúdo é mantido sob sigilo. Segundo o delegado, a troca se dá da seguinte maneira:
A facção paulista manda drogas para o Rio e os cariocas mandam armas. Mas a coisa toda não se dá apenas no âmbito dos chefes. Ela acontece muito mais pelos sócios, que têm seus negócios paralelos e repassam dinheiro para os dois comandos.
Apesar da convicção da polícia e do Ministério Público sobre a conexão entre os bandidos dos dois estados, não há qualquer investigação específica sobre ela. Polícia e Ministério Público não têm idéia dos montantes movimentados entre os comandos. Na opinião do delegado, a relação se romperá por causa das divergências naturais entre elas.
A facção paulista é muito diferente da carioca em diversos aspectos: é mais "ideológica", como diz a polícia, porque promete aos comparsas melhorar as condições nas cadeias e supõe a luta de classes; e atua com um amplo cardápio de crimes, exigindo que os aliados de outros estados apóiem seus movimentos. Fez isso com os comparsas do Paraná, de Mato Grosso e do Rio Grande do Sul. Já o grupo carioca visa especificamente aos lucros e é segmentado no tráfico de drogas.
Tanto são divergentes que os presídios cariocas não fizeram rebeliões, como os do Paraná. Trata-se de uma relação puramente comercial frisa Fontes.
A polícia aposta no rompimento natural da associação comercial
A qualquer momento rompem e se separam. O grupo do Rio tem como objetivo ganhar dinheiro. O paulista também quer, mas se faz parecer mais ideológico que é para poder estimular os camaradas que colaboram diz o delegado.
No entanto, alguns delegados e investigadores que atuam no caso e pediram para não ter os nomes divulgados consideram a "sociedade comercial" entre as facções criminosas indissolúvel porque seria altamente lucrativa e cômoda.
O negócio é muito lucrativo. O comando paulista colocou o crack no mercado carioca e isso não pára mais. Por outro lado, as armas que não são usadas no Rio, de cano curto, vêm para os soldados do comando paulista. Eles dividem também armas longas. Isso é indissolúvel disse um investigador.
Uma facção protege comparsas da outra
O delegado que chefia as investigações, Godofredo Bittencourt Filho, afirma que a relação entre os dois comandos foi facilitada por medidas do próprio governo paulista, entre 2001 e 2003, que transferiu chefes da facção paulista para o Rio de Janeiro e Fernandinho Beira-Mar para São Paulo, como maneira de isolar os comandos do crime. Além disso, os chefes dos dois grupos já ficaram presos em Brasília.
No Rio houve um estreitamento das relações e dos conhecimentos operacionais. Mas eles são independentes, se conhecem, se respeitam e negociam diz Bittencourt Filho.
A joint-venture prevê algumas trocas de favores, lembra o delegado:
O próprio Robinho Pinga, do Rio, esteve escondido em São Paulo sob proteção da facção paulista.
Consultor privado em segurança, Ricardo Chilelli afirma que já investigou a joint-venture das duas facções criminosas. Segundo ele, os negócios do crime são lucrativos por vários motivos, quase todos vinculados ao tráfico do Paraguai. As armas usadas por cada grupo são diferentes por causa da topografia e das características gerais de cada cidade: nos morros cariocas, mais isolados, os criminosos usam as armas longas. Em São Paulo, as discretas são mais aplicadas.
De cada dez armas trazidas do Paraguai, sete vão para o Rio, duas para São Paulo e uma para outros estados. Já com as armas curtas (de mão), são mais usadas em São Paulo. De cada dez curtas trazidas de fora, sete ficam em São Paulo, duas vão para o Rio e outra vai para outros estados afirma.
Além disso, a maconha que abastece o Rio passa por São Paulo. Com o crack, a situação é diferente, segundo Chilelli.
O crack é uma invenção que partiu há pouco de São Paulo para o Rio, que antes rechaçava essa droga. Mas o comando paulista mostrou a lucratividade para o comando carioca, que agora vende. E, com isso, muitas formas de atuação foram trocadas, como seqüestros por telefone e roubos de laptops.
Além disso, as granadas e os explosivos usados pelos paulistas saem da facção carioca.
Granadas e explosivos partem do Rio por causa do acúmulo de paióis e quartéis e pelo número de especialistas na produção afirma.
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