A reunião do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados marcada para ouvir o deputado federal afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) durou mais de sete horas. Na maior parte do tempo, a reunião seguiu sem a presença da maioria dos 21 membros do colegiado.
Ao final, enquanto Cunha já do lado de fora avisava à imprensa que pretende voltar a “frequentar a Casa” a partir de segunda-feira (23) – “eu não fui cassado do meu direito de fazer política” -, na reunião restavam apenas os líderes do Psol, Chico Alencar (RJ), e da Rede Sustentabilidade, Alessandro Molon (RJ).
A dupla é autora da representação contra Cunha por quebra de decoro parlamentar, na esteira do escândalo sobre o dinheiro não declarado na Suíça, e fazia uma última manifestação à Mesa, presidida pelo deputado federal José Carlos Araújo (PR-BA) e pelo relator do caso, Marcos Rogério (DEM-RO), que vai apresentar seu parecer até o próximo dia 31. Ao longo da reunião, Cunha foi alvo de uma série de perguntas do relator e foi duramente criticado por parte dos parlamentares. Mas não faltaram elogios, inclusive de opositores.
“Primeiro quero agradecer a presença dele aqui, que decidiu ficar frente a frente com a gente e com a imprensa. É um ato de coragem, altivez, merece nosso respeito”, iniciou o deputado federal Wladimir Costa (SD-PA). Depois, antes de defender que ter “trust” não é crime, Costa ressaltou que “não morro de amores por Eduardo Cunha”, mas avisou que não utilizaria o caso do Conselho de Ética como “instrumento de vingança”. “Recentemente eu pertencia ao PMDB e ele, quando líder, não foi tão gentil e elegante conosco. Nós fomos tratados lá como o baixo clero do baixo clero. Mesmo assim, isso não torna o meu coração cheio de ódio e rancor”, disse ele.
O deputado federal Francisco Floriano (DEM-RJ), que não é membro do Conselho de Ética, chamou Cunha de “professor” e “um dos maiores regimentalistas na nossa Nação”. “As normas desta Casa não eram observadas, nada funcionava. Foi a sua chegada à presidência desta Casa que me devolveu o ânimo”, disse ele. Floriano afirmou ainda que está convencido “que vossa excelência não mentiu” e fez um apelo para que o peemedebista volte à Casa.
“Vossa excelência é e sempre será um grande líder, com a capacidade única de conduzir os trabalhos nesta Casa. Basta ver a confusão instalada durante a ausência de sua pessoa. O Brasil precisa que o senhor retorne para que possamos conduzir com eficiência os problemas urgentes do nosso País”, discursou ele.
Para o deputado federal Carlos Henrique Gaguim (PTN-TO), que também não integra formalmente o grupo, Cunha está sendo alvo de uma “armação”, possivelmente porque seria um nome forte para a presidência da República. “Se não fosse esta denúncia infundada contra ele, ele hoje seria presidente da República, por causa do trabalho que ele fez aqui, fez esta Casa andar. Na questão do Regimento Interno, de fazer as leis, de levar o País a produzir, eu não chego aos seus pés”, elogiou o aliado.
Mesmo o deputado federal Nelson Marchezan Junior (PSDB-RS), que não é aliado de Cunha e disse que “trust” parece “uma simulação para esconder recursos de origem não lícita”, ponderou que, “do ponto de vista administrativo”, Cunha “fez a Casa trabalhar, avançar”. “Também teve um papel importante em um momento importante, que era o impeachment”, disse o tucano, ressaltando, contudo, que isso “não o absolve”.
Outro opositor de Cunha, o deputado federal Valmir Prascidelli (PT-SP) também iniciou registrando que reconhecia “a maestria” do presidente afastado para “implementar políticas que vossa excelência defende”. “Nós somos de campos políticos opostos. Vossa excelência tem posições das quais eu discordo radicalmente, mas o admiro pela capacidade que tem. Isso faz com que seus adversários também tenham que aprimorar a capacidade”, disse o petista.
Papi, arrogante e frio
Cunha também foi alvo de críticas, mas demonstrou mais irritação do que abatimento ao longo da reunião. O deputado estadual Ivan Valente (Psol-SP) concluiu que Cunha “não perde a arrogância”. “Mesmo com onze a zero”, comentou Valente, em referência à decisão unânime dos ministros do STF, que o afastaram do mandato.
Do deputado federal Max Filho (PSDB-ES), Cunha ouviu que é um homem “muito frio”. “Ele suportou insultos naquele plenário fazendo cara de paisagem. Ele é um homem público descolado, calejado, experimentado. Eu acho que ele vem mais aqui para espairecer, uma vez que se encontra em prisão domiciliar”, ironizou o tucano.
Corroborando a tese de Max Filho, Cunha não esboçou grande reação ao ser provocado pelo deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG). “O deputado Fufuca carinhosamente chama Cunha pelos corredores da Casa de “papi”. E precisamos conviver com isso como se não fosse manobra”, apontou Delgado, provocando risos na plateia que acompanhava a reunião. O parlamentar se referia à troca de titulares no Conselho de Ética. Entre os novos membros, está o deputado federal André Fufuca (PP-MA), aliado de Cunha.
Trust
No Conselho de Ética, Cunha voltou a negar que tem contas no exterior. Ele alega que as contas na Suíça não são de sua titularidade, mas de trusts (administradoras de recursos de terceiros) a quem ele delegou a gestão de parte de seu patrimônio. O argumento foi tratado com ironia por parlamentares.
“Quem bebe o vinho de mil dólares, o senhor ou a trust? Se eu vou em um hotel em Dubai e gasto 20 mil dólares, quem dormiu nos lençóis de seda, o senhor ou a trust? Quem comprou o terno de 3 mil dólares que vossa excelência usa, foi o senhor ou a trust?”, disse o deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG).
O deputado federal Sandro Alex (PSD-PR), que na função de primeiro vice-presidente do Conselho de Ética sentou ao lado de Cunha na Mesa, chegou a dizer que “trust” só podia ser uma “bênção”. “O trust não tem dono, não é conta, não é investimento, não é patrimônio. O trust é uma benção. É uma expectativa divina, que nasce, pena que não para todos os brasileiros”, afirmou ele.