Liderada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a ala do PMDB que prega o rompimento definitivo com o governo ganhou corpo com a decisão do vice-presidente Michel Temer de deixar o “varejo” da articulação política da gestão Dilma Rousseff. Cunha defendeu que o partido adiante o congresso nacional de novembro e antecipe a decisão sobre o possível afastamento total. Para o parlamentar, Temer foi “sabotado” durante o período em que assumiu as negociações políticas.
O vice-presidente era responsável, desde 10 de abril, pelas tarefas da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) da Presidência da República. O órgão tem status de ministério e cuida do relacionamento do governo com parlamentares. Defende as propostas consideradas prioritárias para o governo no Legislativo, mas concentra as demandas por liberação de recursos e cargos feitas pelos congressistas.
Dilma sofre com sucessão do “ministério que ninguém quer”
- Brasília
- André Gonçalves, correspondente
Responsável pelo diálogo do governo com os parlamentares, a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) virou um dos raros ministérios pouco cobiçados da Esplanada durante a gestão Dilma Rousseff. Primeiro a ocupar o cargo, Luiz Sérgio (PT-RJ), foi apelidado de “garçom” – anotava as demandas dos parlamentares, mas ficava sempre à mercê das decisões tomadas pela “cozinha” gerida com mão de ferro por Dilma. Com menos de um ano no cargo, foi substituído por Ideli Salvatti (PT-SC), que ficou entre 2011 e 2014, também sem força política.
Em janeiro de 2015, Dilma nomeou o deputado federal Pepe Vargas (PT-RS). O petista também foi rechaçado pela base aliada no Congresso devido ao fracasso nas negociações da campanha de Arlindo Chinaglia (PT-SP) contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na disputa pela presidência da Câmara, em fevereiro. Apelidado de “Pepe Legal”, foi substituído por Temer, que nunca chegou a assumir o ministério de fato.
Quem passou a trabalhar no comando do dia a dia da pasta foi o paranaense Rodrigo Rocha Loures, nomeado por Temer para a chefia de gabinete. “Caberá a Dilma definir o novo ministro. Por enquanto, continuamos ajudando”, relatou Rocha Loures. Se depender do vice-presidente, há chances de ele ser promovido.
Outro que vai deixar em setembro as tarefas relacionadas à SRI é o ministro da Secretaria de Aviação Civil, Eliseu Padilha. Em abril, antes de Temer, ele foi convidado pela presidente para assumir em definitivo o ministério de articulação, mas não aceitou. (AG)
“A saída dele [Temer] da articulação é um bom sinal. E eu estou defendendo que o congresso do PMDB seja adiantado, para a gente discutir a possível saída do PMDB do governo”, disse Cunha ao jornal Folha de S.Paulo, após visita à Assembleia Legislativa de São Paulo. Antes dele, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), já havia criticado o papel exercido pelo vice-presidente – declarou em maio que o PMDB não poderia ser transformado em “coordenador de RH” do Planalto. Há três semanas, no entanto, Renan iniciou um processo de reaproximação de Dilma.
Cunha rompeu com o governo há um mês, após divulgação do depoimento do ex-consultor da empresa Toyo Setal, Júlio Camargo, que acusou o presidente da Câmara de receber US$ 5 milhões em propina desviada da Petrobras. Na semana passada, foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
“É um erro achar que essa história de deixar o governo é só do Eduardo, por problemas dele. Logo depois da notícia da saída do Temer, vários colegas comemoraram e disseram que esse era o primeiro passo para um rompimento definitivo do partido com a gestão Dilma”, descreveu o coordenador da bancada federal do Paraná, João Arruda (PMDB). Outros dois peemedebistas paranaenses, Sérgio Souza e Osmar Serraglio, confirmaram a ascensão do grupo contrário à presidente.
“Fica difícil para o PMDB dar sustentação a um governo impopular se ele não é nem tratado como parte desse governo”, defendeu Serraglio. “Aconteceu num momento conturbado, mas já era esperado. O Temer indicava que estava cansado desse trabalho”, declarou Souza.
O vice-presidente se afastou da SRI, mas se dispôs a continuar sendo o articulador do governo em questões macropolíticas. A tendência é que ele se dedique apenas à relação entre poderes, mas permaneça fora de todas as negociações político-partidárias do cotidiano do Congresso. “Quem leu a decisão de ontem como um rompimento está enganado, o trabalho continua sendo feito, mas em outras esferas”, avaliou o chefe de gabinete da SRI e presidente do PMDB-PR, Rodrigo Rocha Loures.
Opinião: Quando Hermes se torna mais poderoso do que Zeus
- Roosevelt Arraes, advogado, professor da Unicuritiba, doutorando em filosofia política pela PUCPR
Michel Temer está em vias de se afastar da posição de articulador político do Planalto. São vários os motivos: a) falta de autonomia para estabelecer negociações; b) rusgas com o ministro Joaquim Levy; c) desconfianças por parte do PT.
Surgem as perguntas: a) o PMDB abandonará, totalmente, o governo? b) o governo encontrará alguém para costurar a estabilidade política?
Embora parte do PMDB tenha debandado com Eduardo Cunha, outra, aparentemente, está sob a batuta de Temer. Não porque ele tenha o mesmo tipo de mando que Cunha, mas porque sua capacidade de negociação e moderação une opositores, ainda que circunstancialmente.
Temer é fruto da crise política e econômica e o tamanho do seu poder deve ser medido em razão do tamanho da crise.
A crise econômica se arrastará para 2016, restando ao governo amainar os ânimos na política para terminar o mandato e manter alguma influência do PT no cenário nacional. Temer teria esta tarefa.
Quanto custa a salvação do governo?
O custo, além da troca de cadeiras nos ministérios e nos escalões inferiores, é significativo, porque o governo estará diante de um dilema: ou salva o (seu poder no) presente para sacrificar o futuro, ou, arrisca tudo para ter os dois, sob o risco de não ter nenhum deles.
Se Temer não for demovido da ideia, será necessário criar uma nova base de apoio, em meio à desconfiança generalizada, criada pelo próprio governo.
Quem seria a pessoa capaz de restabelecer a confiança perdida, que não fosse do desgastado PT e que estivesse a ele submisso?
Antevendo a catástrofe, alguns interlocutores do PT se apressaram para convencer Temer a permanecer no posto de “Hermes”.
Caso Temer suplante a mágoa, o governo será forçado a tomar uma posição clara: terá que sacrificar o projeto de poder do seu partido para manter-se, minimamente, até 2018. Estará assim, à mercê de Temer e de seus aliados.
É difícil imaginar que, pela primeira vez, o PMDB passe a ser oposição.
Se Temer ficar poderá exigir mais do governo. Se afastar-se, o fará sem romper com o Executivo. Pregará moderação, sem empreender esforços neste sentido. Permanecerá o status quo à espera da bonança. Nesta situação será o governo quem deverá tomar as iniciativas para fazer com que seu maior articulador se mova.
Em qualquer hipótese, o mensageiro mostra-se mais forte que Zeus, seja por ação, seja por omissão.
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