Após sofrer uma derrota inesperada na votação da reforma política na madrugada de quarta-feira (27), o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, virou a mesa para aprovar as doações empresariais para partidos durante campanhas eleitorais. Desse modo, deu uma amostra de que seu principal interesse era garantir a previsão constitucional dessas doações para partidos, e não o chamado “distritão”, rejeitado na terça-feira. A proposta que autoriza verba privada nas campanhas (distribuída pelas siglas) foi aprovada por 330 votos contra 141 na noite de quarta. Agora, a matéria segue para o Senado.
Ação no STF é pano de fundo para votação
A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que busca vedar as doações empresariais de campanha, é o pano de fundo para o novo capítulo da novela da reforma política. Ao aprovar a inclusão do financiamento empresarial na Constituição, os deputados federais pretendem matar “na casca” a ação, que já conta com voto favorável de seis ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Se promulgada a emenda, será difícil reverter essa decisão pela via jurídica.
No entendimento da OAB, como pessoas jurídicas não possuem direitos políticos, elas não podem doar para campanhas eleitorais. Logo, a lei que permite esse tipo de doação seria inconstitucional.
Em dezembro de 2013, o STF começou a julgar a ADI. Seis dos onze ministros se manifestaram a favor da inconstitucionalidade, mas Gilmar Mendes, em abril de 2014, pediu vista e o julgamento foi interrompido.
Com a aprovação de uma emenda constitucional, porém, a situação muda completamente. Hoje, não há previsão expressa na Constituição de que o financiamento empresarial seja permitido ou proibido. Se a emenda for aprovada e promulgada, essa previsão passa a existir – e a situação muda de figura.
No entendimento de Egon Bockmann, professor de Direito Constitucional da UFPR, a promulgação da emenda acarretaria na perda do objeto da ADI. “Quem tem a palavra final sobre o controle constitucional é o STF, mas nada impede que o Congresso mude a Constituição”, afirma.
Na prática, para Bockmann, se a emenda for promulgada, dificilmente será possível impedir as doações de empresas pela via jurídica. Após passar pela Câmara, a proposta precisa ser votada pelo Senado. (AG e CM)
A primeira votação do financiamento empresarial de campanha ocorreu na madrugada de quarta (27). Havia sido definido que a ordem de votação incluiria três modelos de financiamento de campanha. Primeiro, seria votada a permissão de financiamento misto (empresarial e público), adotado atualmente, mas sem previsão constitucional. O texto original do relatório, do deputado Rodrigo Maia (PMDB-RJ), foi substituído por uma emenda apresentada pelo deputado Sérgio Souza (PMDB-PR). Caso não fosse aprovada, entraria em pauta na sequência a proposta de manter o sistema de financiamento misto, mas sem doações de empresa, apenas de pessoas físicas. Por fim, seria votado o financiamento exclusivamente público.
Cunha havia se comprometido a não colocar o texto do relatório em votação. A principal diferença entre as propostas é que a de Maia limitava a doação de empresas a partidos, enquanto a de Souza permitia também doações a candidatos.
Nos bastidores, a aprovação do financiamento privado era tida como quase certa. Entretanto, apenas 264 deputados votaram a favor – ou seja, 44 a menos que os 308 necessários para aprovar uma emenda constitucional. A surpresa ficou evidente quando Cunha deixou escapar um palavrão no microfone ao saber do resultado.
Na manhã da quarta, Cunha decidiu lançar sua carta na manga. Ao contrário do que havia prometido, resolveu colocar em votação a proposta original do relatório – que, por ser ligeiramente diferente da proposta derrubada, poderia regimentalmente ser votada. O PT se apressou para tentar barrar a manobra, mas o deputado Celso Russomano (PRB-SP) apresentou uma emenda idêntica e “driblou” os adversários de Cunha.
Para viabilizar essa decisão, o presidente se reuniu informalmente logo pela manhã com a maioria dos líderes partidários – os petistas não foram convidados. A reunião foi tensa. Esbaforido, Cunha repetiu diversas vezes “agora f...” e cobrou apoio. Conseguiu: as lideranças do DEM e do PSDB, entre outros, se comprometeram a apoiar a manobra em plenário.
Cunha foi atrás, também, dos 44 votos que faltavam. Conversou com o vice-presidente Michel Temer (PMDB). A Cunha, Temer prometeu enquadrar os 12 peemedebistas que votaram contra o financiamento empresarial. Cunha disparou telefonemas para deputados de outras legendas que votaram contra. Relembrou de favores e cobrou fidelidade. A estratégia deu certo e 66 deputados mudaram de lado. E o financiamento misto (público e empresarial) acabou passando.
PT e PSB se unem contra “dono da bola”
Em dia de polêmicas envolvendo a Fifa, sobraram comparações com o futebol na votação das doações empresariais para campanhas. Deputados contrários ao presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o compararam ao “dono da bola”, por ter rompido o acordo referente à ordem de votação. Assim como na votação do “distritão”, PT, PSB, PPS e PSol uniram forças para se contrapor a Cunha.
Na sessão, os deputados desses partidos tentaram impedir que a emenda aglutinativa que permitiu a “virada de mesa” de Cunha fosse votada. O deputado João Fernando Coutinho (PSB) propôs uma questão de ordem para retirar a proposta de pauta. No entendimento dele, Cunha feriu o regimento ao permitir que a emenda fosse votada – uma vez que não se trataria de uma emenda aglutinativa. O presidente, naturalmente, rejeitou a questão.
Outras votações
Antes da nova votação do financiamento empresarial, dois modelos diferentes foram apresentados. O primeiro, que permitia a doação apenas de pessoas físicas, foi rejeitado por 240 a 164 votos. Depois, a proposta de financiamento público exclusivo foi derrubada 343 votos a 53. Apenas o PSol e o PCdoB encaminharam favoravelmente à emenda; o PT, que historicamente defendeu o modelo, encaminhou pela abstenção.
Alfinetadas
Após a rejeição do “distritão”, Cunha alfinetou adversários. “A Casa definiu que não quer fazer a reforma política. Ela se dissociou da sociedade quando pregou que queria uma reforma política e, quando teve a oportunidade, não se manifestou por nenhum dos modelos.” (AG e CM)
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