Uma chuva de dinheiro caindo pela janela. A cena insólita foi vista pela advogada Ana Carlota Almeida de um prédio no centro de Londrina, no Norte do Paraná. Ela só entendeu o que estava acontecendo momentos depois, quando um funcionário do doleiro Alberto Youssef desceu correndo para recolher as notas. A antiga casa de câmbio de Youssef funcionava três andares acima do escritório dela. “Parece que aconteceu alguma sindicância e ele teve que jogar o dinheiro para esconder [alguma irregularidade]”, diz.
Youssef se tornou poderoso nos anos 90
Por causa das pessoas com quem andava, o doleiro Alberto Youssef começou a se tornar poderoso e temido em Londrina no início da década de 1990. “Ele tinha proteções em todos os lugares”, conta o promotor Cláudio Esteves, que esteve à frente das investigações dos desvios de dinheiro da prefeitura de Londrina no caso Ama/Comurb.
Em 2000, quando saiu o mandado de prisão de Youssef por ter lavado cerca de R$ 120 mil em um contrato fictício de uma licitação municipal – técnica que ele aperfeiçoaria anos depois com os contratos da Petrobras –, o promotor entendeu que o documento não poderia “cair em qualquer mão na polícia”, sob o risco de não ser cumprido.
Um estagiário do Ministério Público, na época, tinha um apartamento bem em frente do escritório de Youssef, na Rua Pará, em Londrina. Esteves e um colega pediram para “emprestar” o imóvel e ficaram horas na janela esperando o doleiro entrar no prédio.
Quando Youssef chegou, Esteves ligou para um delegado da cidade e disse que precisava falar com ele. “Eu subi com ele no elevador [do prédio do doleiro] e ele só soube do que se tratava na porta do escritório de Youssef. Então eu falei: ‘Agora o senhor cumpre o mandado de prisão”, diz o promotor.
Famoso nos EUA
Anos depois do episódio da “tocaia”, o promotor de Londrina conta que, em uma viagem aos Estados Unidos, foi perguntado pelo procurador-geral de Nova Iorque de onde ele era. Depois de ouvir ‘Londrina’, o procurador disse, em inglês: “Londrina! Terra de Alberto Youssef”. “Ele conhecia profundamente o Youssef por causa das contas CC-5 do Banestado [o caso de lavagem de dinheiro]”, lembra. (AA)
A cena dá o tom do que viria a se tornar o homem tido pelos vizinhos como “absolutamente normal” naquela época.
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De vendedor de pastel de feira e sacoleiro, que trazia produtos do Paraguai para a elite londrinense, Youssef galgou em poucos anos o posto de maior doleiro do país. Quem o conheceu conta que ele operava com tranquilidade transações financeiras ilegais de milhões de reais ou dólares.
Com um currículo de oito prisões – sendo a última em março do ano passado, na deflagração da Operação Lava Jato –, o doleiro é um dos responsáveis por colocar Londrina e o Paraná no centro dos principais esquemas de corrupção das últimas duas décadas. Fato é que Youssef cresceu na profissão de maneira surpreendente, deixando para trás outros doleiros de alta reputação. A conclusão faz parte da análise de procuradores do Ministério Público Federal (MPF).
“Ele era um doleiro que fazia troca de dólares de balcão, operação de dólar-cabo, para inúmeras pessoas. E, com o passar do tempo ,acabou se especializando em uma atuação mais relacionada a empreiteiras e agentes públicos”, afirma o procurador Deltan Dallagnol, um dos integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato.
Segundo várias pessoas róximas do doleiro, a força motriz por trás da alavancada na carreira de Youssef é explicada pela amizade que mantinha com José Janene, ex-deputado do PP morto em 2010. Janene é tido como um dos políticos mais poderosos de sua época, com influência na região de Londrina e no Congresso Nacional. Era parceiro político de Antonio Belinati.
Se Belinati era o político carismático, Janene era o cérebro da dupla. E Youssef seria o funcionário que lavava o dinheiro. Juntos eram quase imbatíveis. “Hoje, vendo as notícias, imagino que é claro que esse último grupo do Beto [Youssef] estava ligada ao Zé [Janene], porque são pessoas que praticamente serviam à bancada do partido todo. É claro que era através do Zé que eles se conheciam”, afirma Stael Fernanda Janene, ex-esposa do político, numa referência ao esquema de desvios da Petrobras – que abasteceu, em parte, parlamentares do PP.
Ele [Alberto Youssef] tinha proteções em todos os lugares.
Indicado ao cargo por Janene, Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da estatal, disse em depoimento de delação premiada que em torno de 1% do valor global dos contratos eram repartidos entre ele, Youssef, outros dirigentes e o partido. Apesar da ligação com o PP, Youssef também fazia negócios para políticos do PT e do PSDB. Seu “profissionalismo” era suprapartidário.
OUTRO LADO
Todas as pessoas citadas na reportagem foram procuradas pela Gazeta do Povo. Alguns não foram encontrados e outros não quiseram comentar o relacionamento que mantinham com Alberto Youssef nem as informações prestadas pelas fontes ouvidas pela Gazeta do Povo.
O modus operandi básico do doleiro pode ser dividido em dois formatos principais: complexas remessas ao exterior em operações de dólar-cabo e, com o aprimoramento da fiscalização, contratos fictícios (ou seja, sem prestação de serviços) entre empresas de fachada e empreiteiras. No Banestado, ele usou mais o primeiro modelo. Na Lava Jato, ambos.
Apesar de longa lista de crimes, doleiro nunca ficou preso muito tempo
O doleiro Alberto Youssef nunca chegou a ficar preso por muito tempo. Em setembro do ano passado, foi condenado a pouco mais de quatro anos de prisão pelo caso Banestado, mais de uma década depois do início do processo judicial. O caso só voltou a correr porque o doleiro desrespeitou o acordo de delação premiada que havia firmado então, retornando às operações ilegais.
Ele viria a selar o segundo acordo em 2014, em uma tentativa de diminuir o tempo que terá que cumprir pelos desvios na Petrobras. Com isso, cumprirá no máximo cinco anos atrás das grades, somando todas as imputações a que responde – como corrupção, lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro.
Há quem diga que Youssef não contou tudo o que sabia em nenhuma das duas delações. Os boatos são fermentados pela fama de falta de credibilidade que o doleiro mantém na cidade. Essa característica, inclusive, é apontada por algumas pessoas como o “diferencial” de Youssef em relação outros operadores do mercado financeiro.
As aspirações do doleiro costumavam ser altas. Segundo um antigo colega, uma das pretensões de Youssef seria gerenciar o Banco del Paraná, braço do Banestado, banco do governo do Paraná, no Paraguai. A pretensão dele seria utilizá-lo para as operações de câmbio ilegais. Ele teria ajudado a financiar a campanha do ex-governador Jaime Lerner para obter o “presente”. Mas a promessa não teria sido cumprida.
Quando da condenação do doleiro no caso Banestado, o juiz Sérgio Moro afirmou, na decisão, que parte da propina arrecadada por Youssef teria sido usada como caixa 2 na campanha de Lerner. Na ocasião, o ex-governador encaminhou uma nota oficial em que afirma que a arrecadação de recursos pela campanha foi feita de maneira legal e que o responsável pelo comitê financeiro da campanha havia sido absolvido.
De acordo com outro amigo próximo, o poder de Youssef chegou até Brasília. Segundo ele, autoridades federais poderiam não conhecer pessoalmente o doleiro, mas sabiam que ele existia, mesmo antes de qualquer denúncia pública. Outras pessoas ouvidas pela reportagem também comentaram sobre o trânsito livre do doleiro em círculos do alto poder em todos os âmbitos.
Ninguém quis ser identificado na matéria. Mas pelo menos quatro pessoas ligadas a Youssef disseram que seu “quartel-general” era o hotel Blue Tree Londrina, uma obra faraônica em formato de navio localizado na região central de Londrina. Seria ali onde ele fazia reuniões e tocava os negócios. A administração do hotel, porém, afirma que o doleiro tinha apenas seis apartamentos e que Youssef não tinha outros benefícios além dos recebidos por outros investidores. (AA)