A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que presos em estabelecimentos superlotados têm direito a receber indenização da administração pública pode gerar um rombo bilionário nas contas de estados e União. Os ministros avaliaram ocaso de um preso que dividiu a cela com cerca de cem pessoas, enquanto a capacidade era para 12. A compensação foi fixada em R$ 2 mil. A decisão tem repercussão geral, ou seja: juízes de todo o país precisam aplicar esse mesmo entendimento ao analisar processos sobre o assunto.
O impacto financeiro para os estados e a União ainda não foi calculado, mas pode representar uma cifra bilionária, se todos os presos nessas condições entrarem com ações na Justiça. Segundo dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça, havia no Brasil 622 mil presos em dezembro de 2014. O sistema oferecia 371 mil vagas. Não se sabe quantos presos atualmente estão em celas superlotadas.
Preso dormia com a cabeça no vaso sanitário
O caso avaliado pelo STF chegou a Corte em março de 2008. Anderson Nunes da Silva foi condenado a 20 anos de prisão por latrocínio (roubo seguido de morte) e cumpriu pena na penitenciária de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Segundo o processo, não havia no local condições mínimas de saúde e de higiene. Por falta de espaço, o condenado costumava dormir com a cabeça no vaso sanitário.
Silva ficou preso por oito anos e hoje está em liberdade condicional. Quando ainda estava no presídio, ele pediu à Justiça indenização no valor de um salário-mínimo por mês que ficou no presídio em condições degradantes. Todos os dez ministros que votaram no STF concordaram que o poder público é responsável pelos danos causados à dignidade do preso quando o condenado estiver em estabelecimento que não oferece estrutura adequada, mas discordaram sobre a necessidade e valor de indenização, que acabou fixada em R$ 2 mil.
Estados não têm recurso para indenização
A maioria dos ministros rejeitou o pagamento de um salário por mês em que o detento ficou na prisão. Três dos ministros defenderam que presos em condições adversas deveriam ter a pena contabilizada de forma diferenciada, abreviando o tempo permanecido atrás das grades. Para eles, a solução da indenização financeira ficaria impraticável, porque os estados não teriam dinheiro suficiente em caixa para arcar com a despesa. Eles argumentaram também que os recursos deveriam ser usados para promover a melhoria do sistema penitenciário, e não para compensar o sofrimento individual de cada um dos presos.
O ministro Luís Roberto Barroso avaliou que uma indenização de R$ 2 mil seria uma nova afronta à dignidade do preso, mas ponderou que pagar um salário-mínimo mensal, uma medida justa para ele, quebraria os estados. “Os estados não têm esse recurso. E, se tivessem, seria para investir na melhoria do sistema”, afirmou Barroso.
Em parecer de 2007, a Procuradoria-Geral do Mato Grosso do Sul argumentou que o dinheiro público deveria ser usado prioritariamente para “cidadãos de bem”, e não para indenizar presos. “Ainda que seja de fato lamentável a superlotação carcerária, ocorre que, ao juízo do legislador, há outras prioridades que são mais emergentes. Há cidadãos de bem, potenciais vítimas do recorrente, que vivem nas favelas sob agruras semelhantes àquelas alegadas pelo recorrido. A sociedade tem manifestado entendimento, através de seus mandatários legisladores, de que estes cidadãos têm prioridade na solução de suas necessidades”, diz o documento.
Em fevereiro de 2013, a Advocacia-Geral da União (AGU) já tinha alertado para a falta de recursos suficientes para garantir o pagamento de indenização a todos os presos em condições insalubres. “A controvérsia em questão mostra-se relevante, uma vez que, se o Plenário dessa Suprema Corte decidir pela existência do direito dos presos em epígrafe, haverá o risco de outros presos, das mais diversas penitenciárias espalhadas pelo Brasil, enquadrados nessa mesma situação, ingressarem em juízo para também pedir indenização por dano moral. Indiscutível, portanto, o potencial lesivo do presente julgamento aos limites orçamentários do Estado”, diz parecer da AGU enviado ao STF.
Indenização impedirá melhoria no sistema
Depois da decisão do STF, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e as secretarias de Administração Penitenciária de Rio e São Paulo decidiram não comentar o assunto. O governo federal, no entanto, se pronunciou por meio da Advocacia-Geral da União no processo e alertou que as recursos destinados às indenizações poderiam ser utilizados no aperfeiçoamento do sistema. “O valor correspondente à indenização por danos morais, a ser paga ao recorrente, será destinado ao seu patrimônio particular e deixará de ser utilizado em prol da ampliação e melhoria do sistema penitenciário. Assim, os demais apenados e a sociedade como um todo sairão prejudicados”, argumentou a AGU.
Especialistas veem na decisão uma maneira de alertar a sociedade para a caótica situação do sistema penitenciário brasileiro. No início do ano, mais de 130 presos morreram nas cadeias brasileiras. Diretor-adjunto da Conectas Direitos Humanos, o advogado Marcos Fuchs afirma que a decisão do Supremo é um marco, pois, segundo ele, o poder público negligencia o tratamento dado aos presos desde o Império. Para Fuchs, a multa ao estado deveria ser fixada em um valor maior de R$ 100 mil para pressionar os governos a darem condições mínimas de dignidade aos detentos.
“Recentemente, entrei em uma unidade em São Paulo que deveria ter 12 presos, mas tinha 64. Todos os estabelecimentos penais têm presos nessas condições degradantes”, diz Marcos Fuchs.
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