Se a Corte Interamericana de Direitos Humanos julgar inválida a Lei da Anistia brasileira, indo na contramão do Supremo Tribunal Federal (STF), a expectativa da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça é que pelo menos os crimes de desaparecimento forçado sejam investigados. A corte julga ação em que o Estado brasileiro é acusado de tortura e desaparecimento durante a guerrilha do Araguaia, nas décadas de 60 e 70. A corte se reúne na semana que vem, e a sentença deve sair no início de novembro.
Pela Lei da Anistia, de 1979, foram perdoados não só os presos políticos mas também agentes do Estado acusados de crimes como tortura. No mês de abril, o STF, por 7 votos a 2, rejeitou a revisão da lei pedida em uma ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No entendimento do STF, a Anistia foi resultado de "amplo debate" na sociedade.
"A minha aposta é que, caso a Corte Interamericana julgue inválida a lei, as duas decisões judiciais conviverão dentro do nosso ordenamento jurídico. Não acredito que o Supremo vá revogar a decisão que tomou, mas poderá elucidar aspectos da sua decisão", afirmou nesta sexta-feira (22) ao G1 Paulo Abrão, presidente da Comissão da Anistia. Ele participou de um seminário sobre o tema realizado na Universidade de Oxford, Inglaterra. O evento vai até este sábado.
Segundo ele, "a expectativa concreta é a da apuração dos desaparecimentos políticos forçados, porque já existe jurisprudência do próprio STF em que diz que o crime de desaparecimento forçado é um crime que está sendo cometido até hoje, na medida em que o corpo não foi localizado".
Abrão afirma que o Brasil aderiu às decisões da Corte Internacional, que já tem jurisprudência em casos de outros países da América Latina, em que não se aceita dois tipos de lei de anistia. "O primeiro caso diz respeito às auto-anistias, em que as próprias ditaduras se perdoaram. O segundo caso é sobre as leis que pretendem perdoar crimes caracterizados como crimes de lesa humanidade."
Ele explica que, no Brasil, a lei foi aprovada com um Congresso que ainda era tutelado pelo Estado, com parte dos senadores biônicos, o que poderia caracterizar a lei como uma auto-anistia. "E a configuração da existência de torturas e perseguições sistemáticas no Brasil, além do massacre da Guerrilha do Araguaia, com 70 mortes, pode caracterizar a existência de crimes de lesa humanidade."
Seminário
Durante o seminário, Abrão ressaltou que o caso brasileiro acabou se tornando objeto de curiosidade e preocupação internacional, porque, desde o pós-Guerra, há um esforço internacional contra ditaduras e casos de tortura. "É importante aproveitarmos o momento para debatermos esse assunto."
Na opinião da professora Roberta Baggio, da Universidade Federal de Uberlândia, e uma das palestrantes do seminário, "é essencial que a Lei da Anistia volte ao centro das discussões". "As gerações mais novas não sabem o que se passou no Brasil. E é essencial que o relato das vítimas vire a verdade histórica, factual. É isso que vai permitir que o processo brasileiro de democratização se consolide."
A ativista e ex-presa política Jessie Jane Vieira de Souza se emocionou ao dar seu depoimento durante o seminário. "Não dá para esquecer jamais o tempo na prisão e o que passamos na ditadura. E, quando acontecem eventos como essa conferência, percebemos que ainda há um clamor na sociedade para que os culpados sejam punidos e me sinto mais forte."
Também participaram do primeiro dia do seminário os brasileiros José Carlos Moreira de Silva Filho, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Deisy Ventura, da Universidade de São Paulo, e Beatriz Affonso, do Center for Justice and International Law (Cejil), além da argentina Viviana Krsticevic, também do Cejil.
Neste sábado, quando termina o evento, será discutida a questão da anistia em relação à legislação internacional. Participarão acadêmicos e especialistas dos Estados Unidos e da Inglaterra. Os trabalhos apresentados vão ser reunidos em livro, com versões em português e inglês.
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