Demóstenes deixa o plenário cabisbaixo, após a cassação: “Eu sou na verdade um bode expiatório”| Foto: Antônio Cruz/ABr

Sessão que cassou Demóstenes expôs o isolamento do agora ex-senador

Ex-parlamentar reclamou de ser tratado como um "cão sarnento" e uma "mulher acusada de ser vagabunda"

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A acusação de que atuou como braço político do bicheiro Carlinhos Cachoeira no Senado levou Demóstenes Torres (sem partido-GO) a ser cassado, ontem, por 56 votos a favor da perda de mandato, 19 contra e 5 abstenções. A punição, porém, não apaga o foco da denúncia, nem evita outros desdobramentos do escândalo dentro do Congresso. Quem assumirá a vaga de Demóstenes é o empresário Wilder Pedro de Morais (DEM-GO), que foi casado por oito anos e teve dois filhos com Andressa Mendonça, atual mulher de Cachoeira.

Wilder foi o segundo maior financiador da campanha de Demóstenes em 2010, com doa­­ções que totalizaram R$ 700 mil. Também é secretário estadual de Infraestrutura do governo de Marconi Perillo (PSDB), em Goiás, desde 2011. Perillo é um dos maiores alvos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Cachoeira, que deve se arrastar ao longo do segundo semestre.

Apesar de o substituto de Demóstenes ter forte ligação com o bicheiro, no Congresso o cheiro de pizza em torno do assunto é forte. Há quem aposte que a cassação do senador serviria apenas para dar uma satisfação à opinião pública para que outros parlamentares envolvidos com o bicheiro não sejam punidos.

A suspeita de que isso ocorrerá foi reforçada ontem pelo Conselho de Ética e pela Corregedoria da Câmara dos Deputados. No mesmo dia em que Demóstenes perdeu o mandato, o Conselho rejeitou a abertura de processo contra o deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) para investigar supostos vínculos do parlamentar com o grupo de Cachoeira. A Corregedoria da Casa também decidiu não levar adiante dois de três processos similares contra os deputados goianos Sandes Júnior (PP) e Rubens Otoni (PT), igualmente envolvidos com o bicheiro. Apenas Carlos Alberto Lereia (PSDB), outro parlamentar ligado a Cachoeira, continuará sendo investigado (mais detalhes na reportagem à direita).

Bode expiatório

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No seu discurso de defesa no plenário, o próprio Demóstenes deu a entender que será o único parlamentar punido. "Eu sou na verdade um bode expiatório. Querem me pegar porque vai ficar mal para a imagem do Senado [não aprovar a cassação]. Mas vocês sabem muito bem que, se as pessoas quiserem fazer rolo aqui dentro do Senado, há espaço. Eu não fiz."

Em uma fala de 35 minutos, ele tentou convencer os colegas de que a cassação era "desproporcional" ao conteúdo da acusação e pediu tratamento "isonômico" em relação a outros senadores que sofreram acusações de quebra de decoro. Demóstenes focou o caso de Humberto Costa (PT-PE), relator do seu processo de perda de mandato no Conselho de Ética. Costa esteve envolvido em denúncias sobre a máfia dos sanguessugas quando foi ministro da Saúde (2003 a 2005). "O que eu quero é o mesmo tratamento que foi dado ao senador Humberto Costa, que provou que era inocente. Eu quero esse direito. Por que minha cabeça tem de rolar?"

Os argumentos não sensibilizaram os senadores. Após a cassação, poucos falavam em tom de comemoração e evitaram prever o que vem pela frente. "Se acharmos necessário, vamos abrir outro processo contra o suplente [de Demóstenes]. Agora ainda é cedo para falar", afirmou o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP). Já o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), foi mais enfático: "Esse é um episódio de página virada".

Apenas Luiz Estevão havia sido cassado na história do Senado

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Inelegível até 2027, o ex-senador Demóstenes Torres entra para a história como um dos raros congressistas cassados. Somente outro senador perdeu o mandato no exercício do cargo: Luiz Estevão (foto), em 2000, acusado de envolvimento no desvio de verbas públicas na construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.Em um rol parecido estão os ex-deputados Roberto Jefferson (PTB-RJ), José Dirceu (PT-SP) e Pedro Corrêa (PP-PE). Eles tiveram os mandatos de deputado cassados entre 2005 e 2006 por envolvimento com o mensalão. Outros 16 acusados de participação no esquema acabaram sem qualquer punição. Desde então, a Câmara não cassou nenhum outro deputado. (AG)

A queda

Expoente da oposição, Demóstenes Torres viu sua reputação ser desmontada em apenas quatro meses.

3 de março – Grampos feitos pela Polícia Federal revelam a ligação entre o bicheiro Carlinhos Cachoeira e o senador.

6 de março – Em pronunciamento, Demóstenes diz ser amigo de Cachoeira, mas não ter vínculo profissional com ele.

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12 de março – PSol pede investigação sobre a relação do parlamentar com Cachoeira.

16 de março – Relatório do Ministério Público Federal mostra que Cachoeira deu a Demóstenes um telefone supostamente imune a grampos.

27 de março – Demóstenes pede afastamento da liderança do DEM no Senado.

29 de março – STF determina quebra de sigilo bancário do senador.

3 de abril – Ameaçado de expulsão, senador pede desfiliação do DEM.

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10 de abril – Conselho de Ética do Senado acolhe pedido do PSol e abre processo contra Demóstenes por quebra de decoro parlamentar.

29 de maio – Em depoimento no Conselho de Ética, Demóstenes rebate acusações de que teria atuado em favor de Cachoeira. Ele disse se sentir traído pelo bicheiro.

30 de maio – CPMI do Cachoeira aprova quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e do e-mail do senador.

31 de maio – Convocado para depor na CPMI, Demóstenes fica em silêncio

25 de junho – O Conselho de Ética aprova a cassação do mandato do senador.

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9 de julho – O senador discurso no plenário e diz que mentir não é motivo para perder mandato.

11 de julho – Demóstenes é cassado pelo plenário do Senado.

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Vida Pública | 1:36

Para o senador paranaense, decisão vem de encontro às expectativas do povo brasileiro. Segundo ele, foi um dia de tristeza pelo fato de haver a necessidade de cassar um colega, mas de alegria por ter se cumprido um dever.