Depoimentos colhidos pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) obtidos pelo site G1 revelam que o governador afastado, José Roberto Arruda (sem partido, ex-DEM), mantinha uma rede de informações que funcionaria a partir dos serviços prestados por integrantes da cúpula da Polícia Civil no DF.
A suspeita teve início com a apreensão de documento pela Polícia Federal na casa de Domingos Lamoglia, ex-chefe de gabinete de Arruda. O documento trazia anotações sobre a Operação Tellus, que investigava a cobrança de propina na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, na época comandada pelo então vice-governador, Paulo Octácvio.
Os depoimentos fazem parte do conjunto de novas informações revelado na quinta-feira (4) pela vice-procuradora da República, Deborah Duprat, durante o julgamento do habeas-corpus que pedia a libertação de Arruda no Supremo Tribunal Federal (STF). "Temos provas recentes que mostram que várias provas só foram obtidas agora depois da prisão do governador. Policiais civis tiveram coragem, agora, porque o governador está preso, de denunciar que em outras duas operações o governador tinha interferido para impedir que houvesse a investigação a respeito de Marcelo Toledo e de um outro doleiro", revelou a vice-procuradora.
Os policiais civis citados por Debora são o ex-diretor do Departamento de Atividades Especiais (Depate) Celso Moreira Ferro Júnior, o sucessor dele no Depate, delegado Cícero Jairo, e o ex-diretor do Departamento da Polícia Judiciária da Capital (Decap) Marco Aurélio Vergílio de Souza.
'Mal informado'
No dia 25 de fevereiro, Ferro Júnior revelou a três promotores do MPDFT que Arruda havia o contratado para espionar adversários políticos e conseguir informações sobre possíveis ações policiais que pudessem comprometer o governo. "Arruda era informado com alguns dias de antecedência da realização desta ou aquela operação", disse Ferro Júnior.
O ex-diretor do Depate relatou ao MPDFT que já estava aposentado quando "começou a assessorar" o governador Arruda em questões de inteligência. Diante do volume de fatos que estavam acontecendo e que o governador não estava sabendo, Ferro Júnior disse que o governador Arruda chamou para uma reunião o então secretário de Segurança Pública Valmir Lemos, o chefe da Inteligência dessa secretaria, Gilberto Maranhão, o diretor-geral da Polícia Civil, Cléber Monteiro, e o diretor do Departamento de Atividades Especiais (Depate), Cícero Jairo. "Ocasião em que se queixou que estava mal informado e que precisava de informações que ajudassem a proteger o seu governo", relatou o ex-policial.
Nesse mesmo encontro, segundo o depoimento de Ferro, Arruda teria questionado se o policial civil aposentado Marcelo Toledo, também investigado no inquérito do mensalão do DEM de Brasília, era alvo da Operação Tucunaré, deflagrada pela Polícia Civil do Distrito Federal. O delegado Cícero teria negado que Toledo fosse investigado pela Polícia Civil. Ele foi "nesta ocasião informado que o policial civil tivera alguns áudios interceptados".
Diante da falta de informação de Cícero, Ferro Júnior afirma que Arruda teria demitido o delegado por estar descontente com o serviço de informações: "Cícero foi exonerado do cargo que ocupava de diretor do Depate em razão do governador ter se sentido mal informado em relação às investigações em curso".
Licitações
O policial afirmou existir "um relatório grande" sobre investigação que "apurava direcionamento de licitações em publicidade para empresas vinculadas ao ex-secretário de Comunicação do DF Welligton Moraes", preso pela mesma ordem expedida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que ordenou a detenção de Arruda.
Ainda de acordo com Ferro Júnior, "Arruda foi informado da situação" e tratou de agir: "Umas duas semanas depois, o governador Arruda desconstituiu a comissão de licitação que estaria envolvida nas supostas irregularidades".
Espionar adversários
Em seu depoimento, Ferro Júnior relata que, em abril de 2009, Arruda telefonou para ele e "solicitou sua presença na residência de Águas Claras". "O governador informou a pretensão de candidatar-se à reeleição e queria sua ajuda no que tange aos serviços de consultoria em inteligência".
O delegado informou aos promotores que a assessoria prestada a Arruda consistia em alertar o governador para fatos que pudessem comprometer sua imagem em vista da reeleição e "informá-lo sobre os passos de seus prováveis opositores políticos à reeleição de 2010".
Ferro Júnior também relata ter sido procurado em maio de 2009 por Domingos Lamoglia, ex-chefe de gabinete de Arruda, que também queria saber "o que estaria acontecendo que poderia comprometer o governador".
Operação Terabyte
A mesma interferência relatada por Ferro Júnior em 25 de fevereiro foi descrita no dia 1º de março por Marco Aurélio Vergílio de Souza. Ele confirmou que o documento apreendido no gabinete de Lamoglia durante a Operação Caixa de Pandora continha informações de operações sigilosas da Polícia Civil.
Vergílio de Souza contou ainda que seu superior na época em que era diretor do Decap, Cícero Jairo, participou de uma reunião com Arruda na qual foram solicitadas informações de "fatos" investigados pela polícia.
Vergílio de Souza afirmou que Arruda reclamou com Jairo por não ter sido comunicado da Operação Terabyte, que apurou irregularidades em contratos de empresas de informática com o governo do DF. Arruda também questionou se a Polícia Civil realizou mandados de busca e apreensão na residência de um parente dele. Vergílio também diz que o governador perguntou se Toledo estaria sendo investigado.
Segundo Vergílio, Jairo respondeu aos questionamentos dizendo não ter informações. Vergílio também afirmou, em depoimento, que foi afastado da diretoria do Decap por determinação de Arruda porque não prestou informações sobre a Operação Terabyte. Ele disse ainda que Cícero Jairo foi afastado do Depate porque o governador não queria que ele permanecesse como diretor.
Cobrança
O encontro relatado por Ferro Júnior e Vergílio Souza teria ocorrido na residência oficial de Águas Claras cerca de duas semanas antes de Arruda ter exonerado do cargo o ex-chefe do Departamento de Atividades Especiais da Polícia Civil do Distrito Federal, contou ao MPDFT o próprio Cícero Jairo.
Cícero Jairo relata no depoimento prestado no dia 1º de março que teria ligado para o diretor da Divisão Especial de Repressão ao Crime Organizado (Deco), comunicando a cobrança de Arruda e perguntado se Toledo aparecia na investigação da operação Tucunaré, que apurava as relações de doleiros suspeitos de lavagem de dinheiro.
O diretor disse que iria checar. Mais tarde, Jairo disse que tomou conhecimento de que Toledo aparecia em áudios em conversas com um investigado na operação, identificado no depoimento apenas como Fayed.
Reclamações de empresários
No depoimento, Cícero Jairo diz ainda que na reunião na residência oficial, o governador teria dito que recebeu reclamações de empresários alvos de investigação da polícia. Arruda também teria se mostrado insatisfeito com o cumprimento de um mandado de busca e apreensão na casa de um parente, não identificado no depoimento, no setor de mansões Park Way. Na operação, um computador teria sido apreendido.
Outro lado
O G1 tentou encontrar o ex-policial Marcelo Toledo, mas não consegiu contato. A reportagem deixou recado com uma pessoa que se identificou como motorista do advogado dele, mas não obteve retorno até as 22h.
O advogado do governador José Roberto Arruda, Nélio Machado, também não foi localizado. O G1 deixou recado na secretária eletrônica do advogado, mas também não obteve retorno. Em outra oportunidade, Machado disse que existe uma "perseguição ao governador" e que ele está sendo "crucificado".
O G1 também tentou entrar em contato com o ex-governador Paulo Octávio, mas não obteve sucesso. Um recado foi deixado no celular do ex-governador, porém não houve retorno até o horário de publicação da reportagem.
No dia 22 de fevereiro, quando a PF apreendeu o documento na casa de Lamoglia, a cúpula da Polícia Civil informou que não se manifestaria sobre o caso, porque os inquéritos correm em segredo de Justiça. A assessoria da polícia negou ter qualquer conhecimento sobre vazamentos nas investigações.
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