Em sua primeira entrevista depois de ter se tornado réu, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu colocou em suspeição o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que aceitou a denúncia contra 40 acusados e disse temer pelo resultado final do seu processo na Corte no futuro. A suspeição, segundo Dirceu, se deve à reportagem publicada pela "Folha de S.Paulo" nesta quinta-feira.
De acordo com o jornal, em uma conversa telefônica testemunhada por uma jornalista, o ministro do STF Ricardo Lewandoski afirmou que o Supremo votou com a "faca no pescoço", acuado pela imprensa. Lewandowski teria dito que a decisão da corte seria outra, antes de o jornal "O Globo" revelar uma troca de e-mail entre ele e a ministra Cármen Lúcia. Nos e-mails, há indícios de que os dois ministros pretendiam rejeitar parte da denúncia, desqualificando crimes imputados pelo Ministério Público a alguns dos acusados.
- O julgamento, no mínimo, está sob suspeição. Quem me dá garantia que vou ser julgado, daqui a dois anos, seguindo apenas a Constituição? - perguntou o ex-ministro e deputado cassado por quebra de decoro.
Em resposta à reportagem, o STF afirmou oficialmente que não vai se pronunciar. Já o vice-presidente da corte, ministro Gilmar Mendes, disse, sem se referir à reportagem, que as decisões do Supremo não são políticas. Segundo ele, os ministros decidiram aceitar as denúncias analisando os dados do próprio processo.
- Se o processo envolve ex-ministro de Estado, pessoas com essa projeção ou líderes de partidos, partidos da base do governo, é natural que haja essa repercussão política. Mas o tribunal, obviamente, não decidiu politicamente. O tribunal decidiu analisando os dados constantes do próprio processo - afirmou Mendes.
Dirceu responderá pelos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha. O ex-ministro, no entanto, disse que não pretende tomar nenhuma medida judicial para anular a decisão do STF. Ele espera que o próprio tribunal avalie a relevância das declarações de Lewandowski.
- Não há culpabilidade como deixaram claro todos os ministros do Supremo. Eu preferia estar servindo ao país, seja como dirigente do PT; ou como parlamentar; ou como membro do governo que ajudei a eleger e reeleger. Mas a realidade é outra - disse.
O ex-ministro voltou a afirmar que é inocente e que conseguirá responder a todas as acusações feitas pelo procurado-geral da república, Antônio Fernando de Souza.
- Quaisquer indícios, provas e denúncias de que eu tenha participado ou omitido, não de mensalão porque não houve e nem desvio de dinheiro público porque não está provado, e em todo o processo que levou ao chamado 'valerioduto', envolvendo recursos para campanha e para dívidas de campanha, o que chamamos de caixa dois no Brasil, não há provas de que eu tenha participado - afirmou.
Dirceu disse ainda que desistiu de fazer um campanha para pedir a anistia da cassação do seu mandato de deputado federal, ocorrida no final de 2005 em função do escândalo.Procurador diz que já tem novas provas
O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, afirmou nesta quarta-feira que tem novas provas contra os 40 acusados que viraram réus. São oito novos grupos de documentos, como perícias nos papéis do BMG e do Banco Rural que, segundo o MP, comprovam o caminho do dinheiro que abastecia o mensalão. Os recursos passavam pelas empresas de Marcos Valério e chegavam aos beneficiários, deputados da base do governo.
O MP conseguiu ainda uma perícia que comprovaria o desvio de dinheiro público da empresa Visanet - que tem a participação do Banco do Brasil - para o esquema do mensalão. A pedido do banco estatal, pelo menos R$ 39,5 milhões foram pagos à DNA Propaganda, de Marcos Valério, por contratos de publicidade cujos serviços não foram totalmente comprovados. O laudo comprovaria que parte destes recursos foi parar nas mãos dos "mensaleiros":
Os novos documentos, que não foram incluídos na denúncia, apresentada em abril de 2006, porque só ficaram prontos depois, serão encaminhados ao Supremo. Para Antonio Fernando as provas são suficientes para que todos sejam punidos.
Enquanto o procurador arregimenta novas provas contra os acusados, os advogados dos réus têm pressa e prometem não retardar o andamento do processo, na esperança de seus clientes serem absolvidos por falta de provas.
Antonio Fernando não arriscou prognóstico quanto à duração do processo, em que serão ouvidos os 40 réus e as testemunhas de defesa e as de acusação.
Crime de formação de quadrilha pode prescrever em 2011
Ao mesmo tempo em que o MP procura se cercar de novas provas, o STF precisa correr contra o tempo para evitar a prescrição dos crimes antes mesmo de irem a julgamento. A maior preocupação é quanto aos investigados por crime de formação de quadrilha. Se até agosto de 2011 o tribunal não levar a julgamento o caso do mensalão, parte dos réus pode ficar imune à punição.
O Código Penal prevê pena de 1 a 3 anos de prisão para condenados por formação de quadrilha. Como os réus investigados no processo do mensalão são primários, a tendência é de que, se forem condenados, será aplicada pena próxima à mínima. Se isso for confirmado, a prescrição ocorrerá quatro anos após a abertura do processo - ou seja, em 2011. Para outros crimes incluídos no inquérito os prazos são maiores.
Lula diz que o julgamento dele foi feito nas urnas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou pela primeira vez na quarta-feira sobre a decisão do STF de aceitar a denúncia contra os 40 acusados pelo mensalão. Lula afirmou que a decisão do tribunal demostra fortalecimento da democracia no país, e que o resultado final do julgamento irá separar os culpados dos inocentes. O presidente também mandou um recado à oposição, dizendo que a tentativa de vinculá-lo ao escândalo não vai dar certo.
- Eles (oposição) tentaram me atingir e 61% do povo deu a resposta na eleição do ano passado. Eles sabem perfeitamente bem o que é um processo. Eu, ao mesmo tempo em que assisto às decisões do Supremo, sem poder dar palpite, sei que o que aconteceu é uma demonstração de que no Brasil as instituições estão funcionando. Quem tiver culpa pagará o preço e quem não tiver será inocentado - afirmou Lula depois da solenidade de lançamento do relatório oficial do governo sobre mortos e desaparecidos na ditadura militar (1964-1985) .