A argumentação jurídica de Ricardo Lewandowski sobre a perda dos mandatos dos deputados condenados soou consistente, mas a questão levantada por Joaquim Barbosa foi definitiva porque disse respeito à vida: "É compatível com o mandato parlamentar alguém condenado a sete, oito, nove anos de prisão?".
Eis a pergunta que a Câmara precisará responder depois que os outros sete ministros do Supremo Tribunal Federal aptos ao voto no processo do mensalão se manifestarem sobre três deputados condenados.
A Casa deverá se posicionar em qualquer hipótese. Se o STF deixar com ela a última palavra ou se entender que a cassação é automática. Neste caso, se resolver reagir estará contratando um atrito inútil.
Poderá espernear, mas objetivamente nada restará além de devolver o assunto ao próprio STF, dono do veredicto final gostem suas excelências ou não.
Mas, não nos antecipemos aos fatos e caminhemos por partes. Não está em discussão o mérito, já que a condenação penal é causa prevista para a perda do mandato, mas a forma. A quem cabe o "cumpra-se", ao Legislativo ou ao Judiciário?
Depende do ponto de vista. O presidente da Câmara, Marco Maia, apoia-se em dispositivo constitucional que confere esse direito ao Parlamento, "por maioria absoluta e voto secreto".
A contar pelas manifestações até agora, o Legislativo não abre mão, ignorando desta vez a tese ali bastante celebrada de que a regra deveria ser mudada para transferir à Justiça o poder de interromper mandatos.
Muitos deputados e senadores se dizem constrangidos de julgar seus pares quando são examinadas propostas de cassação, alegando que esse tipo de processo não pode ser político. Tal argumento não aparece na atual discussão.
O ministro revisor adota a interpretação preferida da Câmara. Leva em conta um artigo da Constituição e ignora outro que impõe a suspensão de direitos políticos como decorrência da condenação penal. Se esta é decidida pela Justiça, estaria aí claro que a ordem de "cumpra-se" é do STF.
Parece ser essa a visão da maioria, a julgar pelas manifestações dos ministros durante a apresentação do voto de Lewandowski. Dessa maneira também pensam os dois ministros que deixaram a Corte no curso do julgamento, Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto.
A despeito de toda fundamentação legal apresentada pelo revisor, o raciocínio dele peca mesmo é naquele ponto em que o pensamento do relator revela-se irrespondível: a lógica da vida como ela é.
Como compatibilizar o exercício de um mandato de representação popular com uma condenação penal, é a questão-chave de Joaquim Barbosa.
Ricardo Lewandowski não vê problema: "Nada impede que os réus exerçam atividade laboral fora do estabelecimento carcerário para, depois, voltarem para o repouso noturno".
O primeiro fala sob a perspectiva moral, indispensável ao ofício público, e o segundo usa a ótica factual, indiferente às peculiaridades do agente detentor de representação popular.
O cumprimento de um mandato não é uma "atividade laboral" como outra qualquer, muito menos a volta do trabalho para "repouso noturno" em "estabelecimento carcerário" pode ser vista como algo corriqueiro quando se trata de parlamentares.
Deles a Constituição exige decoro. Pode haver falta de decoro maior que o cumprimento de um mandato de dentro de uma cela de penitenciária?
E se ainda fossem poucos os senões, há um obstáculo intransponível: cidadãos condenados por violarem as leis do país não podem continuar a fazer as leis desse mesmo país. Uma contradição em termos, não fosse antes de tudo um disparate.
Palavreando
"Não estou surpreso", disse Lula a respeito da Operação Porto Seguro em declaração típica de quem diz qualquer coisa quando não pode dizer nada sem complicar mais as coisas.
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