Escândalo e cultura levam para novo turno
A cultura dos brasileiros de tentar levar as eleições sempre para o segundo turno, o escândalo envolvendo a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra suposto tráfico de influência no governo federal e a postura da candidata Dilma Rousseff (PT) em relação a questões polêmicas, como o aborto, explicam porque a petista não levou o pleito no primeiro turno, segundo cientistas políticos ouvidos pela reportagem. Para o segundo turno, dizem os especialistas, Dilma Rousseff é a grande favorita, mas terá de mexer no discurso.
Serra deve ter aliados mais empenhados
Escondido por colegas de partido nas eleições regionais durante o primeiro turno, José Serra deverá ter aliados mais empenhados por sua candidatura nesta segunda etapa da corrida presidencial, segundo avaliação de analistas políticos. A definição da disputa a favor dos tucanos em estados importantes Minas Gerais e São Paulo, os dois maiores colégios eleitorais do país, ficaram nas mãos do PSDB deixa os principais nomes do partido livres para colocar suas tropas para trabalhar pela eleição de Serra.
A esperada disputa polarizada entre PT e PSDB rachou ao meio graças a Marina Silva (PV). Com quase 20 milhões de votos, a candidata agora ameaça ser o fiel da balança no segundo turno. Tanto que o apoio "verde" já desperta declaradamente a cobiça de Dilma Rousseff e José Serra.
Para especialistas, a decisão dela será importante mas não vai se transformar em garantia de transferência de votos. "Não acredito em uma migração de votos majoritária para um ou outro candidato. Vai ficar no meio a meio", avalia o cientista político Francisco Fonseca, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
As previsões, porém, precisam passar pelo entendimento do desempenho de Marina no primeiro turno. "Na reta final, ela cresceu muito porque foi a maior beneficiária do estrago provocado pelo escândalo Erenice Guerra", diz o cientista político Cláudio Couto, também da FGV-SP. Segundo ele, é importante ficar claro que os eleitores dela quiseram fugir do plebiscito entre petistas e tucanos.
"A postura do Serra foi muito ambivalente e por muitas vezes ele usou um discurso pesado de direita. Isso não pega bem para o eleitor da Marina", explica Couto. Já Fonseca não descarta que grande parte dos votos verdes sejam convertidos no segundo turno em brancos e nulos.
Couto acredita que Marina pode sim se posicionar, mas isso passará por uma negociação programática. "Ela poderá inserir algumas de suas propostas tanto na campanha de Dilma quanto na de Serra." Há também a hipótese de que ela permaneça neutra, mas o partido escolha um lado.
Desde as eleições municipais de 2008, o PV se aproximou de PSDB, DEM e PPS e quase ganhou a disputa pela prefeitura do Rio de Janeiro, com o deputado federal Fernando Gabeira. Em 2010, a estratégia foi repetida, mas Gabeira ficou bem distante de forçar um segundo turno contra o governador Sérgio Cabral (PMDB). Historicamente, contudo, a legenda tem laços com os petistas e compõem a base aliada de Lula no Congresso Nacional.
O cientista político Paulo Kramer, da Universidade de Brasília, concorda que tanto Serra como Dilma terão dificuldades para penetrar no eleitorado de Marina. "É um patrimônio rico, mas complexo. O Serra, principalmente, vai precisar estudar muito para dialogar com esses eleitores."
Kramer também é cético quanto a uma possível reação de Serra no segundo turno. Para ele, não é correta a tese de que começa uma nova eleição. "A Dilma tem uma vantagem substancial que não vai se dissipar."
O cientista político lembra que, desde 1989, todas as disputas presidenciais que chegaram ao segundo turno foram vencidas por quem ficou mais bem colocado no primeiro. "Só algo muito bombástico fará os eleitores de Dilma trocarem de posição." Ele prevê que as armas de Serra serão a desconstrução de Dilma e possível deslizes de Lula.
"Está muito claro o que os estrategistas de campanha do Serra vão fazer: vão se esforçar para jogar cascas de banana para revelar quem é a 'verdadeira' Dilma, supostamente uma pessoa agressiva e autoritária. Vale lembrar que o Lula é um ótimo cabo eleitoral, mas também afasta voto quando radicaliza o discurso."
Na opinião de Fonseca, há um fator "imponderável" que ficou evidente no primeiro turno e que precisa ser levado em consideração a partir de agora há uma fatia do eleitorado que só se decide na última hora. "Nenhum instituto de pesquisa detectou previamente esse desempenho tão marcante da Marina. Isso pesa e muito na definição da eleição."
Outro fator de decisão de última hora, segundo ele, foi de cunho moral e religioso. "Pesaram muito contra a Dilma as posições dela a favor do aborto. Há um segmento mais conservador da sociedade que fez uma corrente muito forte contra ela nesse sentido."
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