Analistas dizem que Igreja pode se manifestar; mas veem exagero
Cientistas políticos afirmaram ontem que a Igreja tem o direito de orientar seus fiéis, mas analisam que a discussão sobre o aborto tomou tamanho desproporcional na campanha eleitoral brasileira. Eles dizem que, embora o tema seja válido, acabou ganhando importância maior do que outros problemas nacionais, que muitas vezes ficaram de fora do debate.
O discurso do Papa Bento XVI, ontem, em Roma, para que os bispos brasileiros assumam posição política contra a legalização do aborto, provocou reações contrárias nas campanhas presidenciais de Dilma Rousseff (PT) e de José Serra (PSDB). Enquanto o tucano disse que é "bom" ouvir o Papa e retomou o tom religioso que havia deixado um pouco de lado nos últimos dias, a candidata do PT minimizou os possíveis efeitos eleitorais da mensagem papal.
Falando a bispos brasileiros que se encontraram ontem com ele, em Roma, Bento XVI afirmou que a Igreja deve emitir juízo moral em questões políticas quando elas tratarem de temas como o aborto e a eutanásia (a abreviação da vida de doentes terminais). "Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático que só é verdadeiramente tal quando reconhece e tutela a dignidade de toda a pessoa humana é atraiçoado nas suas bases", disse o Papa. "Portanto, caros irmãos no episcopado, ao defender a vida não devemos temer a oposição e a impopularidade, recusando qualquer compromisso e ambiguidade que nos conformem com a mentalidade deste mundo."
Dilma disse não acreditar que a recomendação do Papa prejudique sua campanha. "Eu acho que é a posição do Papa e tem que ser respeitada. Encaro que ele tem o direito de manifestar o que pensa. É a crença dele e ele está recomendando uma orientação", disse ela.
Já o concorrente tucano, José Serra, elogiou o pontífice. "A defesa da vida é o que merece fazer parte das palavras do Papa. Além do que, é previsível. Além do que, é bom para o mundo ouvir isso, a defesa da vida." Serra voltou ontem a falar em tom religioso. Em discurso em Minas Gerais, citou a Bíblia e ganhou de presente uma imagem de Nossa Senhora da Abadia. O vice de Serra, Indio da Costa (DEM), ontem também retomou o discurso religioso e disse que o tucano, se eleito, irá defender os valores cristãos.
Destaque eleitoral
O pronunciamento do Papa ocorre em um momento em que a questão religiosa ganhou destaque no país por ter influenciado o resultado da eleição presidencial no primeiro turno. Próximo da votação do dia 3 de outubro, grupos das igrejas Católica e evangélicas se mobilizaram contra a candidatura de Dilma por ela ter feito declarações, no passado, em defesa da descriminalização do aborto.
No início da campanha de segundo turno, o bispo de Guarulhos, dom Luiz Gonzaga Bergonzini chegou a pedir aos fiéis que não votassem em Dilma, em um artigo publicado no jornal da Arquidiocese de Guarulhos.
Embora Dilma negue temer a influência da declaração do Papa na eleição, o início da campanha do segundo turno evidenciou a preocupação dos petistas com o voto dos religiosos. Para tentar recuperar esse eleitorado, Dilma mudou o tom e assinou uma carta de compromissos. No documento, a ex-ministra se compromete, entre outras coisas, a não mexer na atual legislação sobre aborto, que só permite a prática em duas situações: risco de morte da gestante e estupro. Além disso, Dilma passou a defender, de forma enfática, a liberdade de crença e culto.
Aliados da petista também passaram a afirmar que Dilma não adotará medidas que desagradem os religiosos. Na última terça-feira, durante a 50.ª Convenção de Pastores da Assembleia de Deus do Paraná, em Foz do Iguaçu, o candidato a vice de Dilma, Michel Temer (PMDB), garantiu que, se eleita, a petista vetará tanto a Lei da Homofobia quanto a descriminalização do aborto.
Influência
Na avaliação do senador Alvaro Dias (PSDB) a declaração do Papa pode favorecer Serra. "O resultado eleitoral é decorrente de uma série de fatores e esse pode sim contribuir", disse. Para ele, porém, a principal influência da declaração de Bento XVI seria "junto aos cristãos que acompanham o dia a dia da Igreja".
Já a senadora eleita pelo PT Gleisi Hoffmann não considera que a declaração vá interferir na eleição. "Até porque as questões tratadas já foram desmistificadas em termo de posicionamento dos candidatos. Não penso que isso venha a interferir", afirmou a petista. Gleisi também disse que padres e a Igreja podem se manifestar, desde que "não sejam manifestações direcionadas a desconstruir imagens".
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