O esforço que a candidata do PSB à Presidência, Marina Silva, vem fazendo para se aproximar dos ruralistas acaba de bater num obstáculo difícil. Trata-se da promessa de rever os indicadores de produtividade agrícola, para facilitar os processos de desapropriação de terras a serem destinadas para a reforma agrária. Desde a divulgação do programa da ex-ministra, há uma semana, a promessa de mudança, contida na página 58, tem despertado reações negativas em setores do agronegócio. Do lado da candidata, responsáveis pelo programa afirmam que ela se limitou a dizer o que determina a legislação do País.
"Essa questão causou espanto em todos que estudaram o programa, porque é ultrapassada", disse ao Estado o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio, Luiz Carlos Correa Carvalho. "De maneira geral, as propostas dela para o agronegócio são de boa qualidade, mas isso é um contrassenso. Alguma pressão surgiu, mas estamos debatendo com os responsáveis pelo programa. Parece a história do bode que colocam na sala, para retirar em seguida, quando a situação fica insuportável."
Para o professor Roberto Rodrigues, que foi ministro da Agricultura no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e hoje coordena o Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas, a ex-ministra do Meio Ambiente ressuscitou uma questão enterrada há quase dez anos. "O próprio Lula, ao chegar ao governo com essa bandeira de seu partido, o PT, viu que não tinha o menor sentido", lembrou. "Ele viu que o produtor rural, quando fica com a produtividade abaixo da média, quebra. É o mercado que desapropria. Não precisa de um índice especial." O presidente da Federação da Agricultura de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, tem opinião semelhante. "Não existe nenhum outro setor da economia no qual você questiona a propriedade baseando-se em índices de produtividade", afirmou. "Isso gera insegurança jurídica, que estamos combatendo há muito tempo e que a ex-senadora havia incorporado ao seu discurso."
Debate
O índice de produtividade, lembrou o ex-ministro Rodrigues, foi criado durante o regime militar, quando a agricultura brasileira era, de fato, pouco produtiva. "Fazia parte de uma estratégia para estimular a ocupação do território nacional com a agricultura", disse.
A questão foi incorporada à Constituição de 1988, que determina a desapropriação de terras improdutivas. A verificação é feita por meio de um índice que deve ser revisto periodicamente. Mas isso não tem acontecido: os números em vigor não são alterados desde 1974. Segundo o biólogo João Paulo Capobianco, da assessoria de campanha de Marina, o programa limitou-se a respeitar a lei. "Existe uma determinação explícita de revisão periódica dos índices, o que não é feito há décadas. Nesse período a agricultura teve ganhos expressivos de produtividade, em torno de 200%", observou. "É muito importante estimular o produtor a continuar melhorando a produtividade. Sabemos que existe muita dúvida em torno da forma como esse índice deve ser elaborado, mas nós estamos dispostos a uma discussão aberta e racional com o setor."
Logo após ser eleita, em 2010, a presidente Dilma Rousseff também prometeu uma reavaliação da forma como é definido o índice de produtividade e chegou a pedir a assessoria da Embrapa. Assim como Lula, porém, que a antecedeu no governo, ela acabou deixando o assunto de lado em todo o seu governo. Capobianco deixou claro em suas declarações que a preocupação de Marina não é apenas desapropriar áreas para a reforma agrária. A revisão do índice de produtividade está encaixada numa das questões centrais de seu programa, que é elevar a produção agrícola do País reduzindo o uso de recursos naturais e sem ampliar a área plantada. "Não queremos uma agricultura ou pecuária extensiva, com baixa produtividade."
Do lado dos agricultores, Rodrigues observa que não existe um prazo determinado para a mudança dos índices, embora seja recomendada a revisão periódica. O maior receio dos produtores é a instabilidade jurídica em relação à propriedade, segundo Riedel. "Não dá para entender por que motivo ela aparece com essa discussão atrasada e extemporânea." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.