O sistema biométrico usado por cerca de 21,7 milhões de pessoas no primeiro turno -e que também será empregado durante o segundo, neste domingo (26)- não identificou o eleitor em 8,5% dos casos, uma taxa de erro mais que duas vezes maior a apresentada no pleito de 2010, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O TSE diz que o problema estava em cerca de mil urnas de quatro estados, que apresentaram um problema de comunicação com o leitor e que passariam por revisão. O órgão tem como meta uma taxa de erro de 5%, e que todo eleitor seja identificado por biometria nas próximas eleições presidenciais, em 2018.
Para alguns pesquisadores, o método tem riscos e pode ser desnecessário.Segundo o professor do departamento de computação da UnB Alexandre Zaghetto, essa taxa de erro pode ser problemática e aumentar o risco de fraude em regiões cuja população tem a impressão digital desgastada por algum motivo, como atividades manuais.
Outro pesquisador de sistemas eleitorais, o americano J. Alex Halderman, da Universidade de Michigan, diz que a implementação de identificadores biométricos pode ser "apenas teatro" para passar "sensação de segurança" em um sistema de votação que diz considerar inseguro.
À reportagem, o TSE disse apenas que "reafirma a segurança de todos os sistemas da urna eletrônica" e que "os maiores interessados na segurança das eleições, como os partidos e os candidatos, nunca questionaram a integridade dos sistemas utilizados."
O órgão não comentou o fato de o PDT ter entrado com uma petição no TSE demandando a formação de uma comissão para analisar o processo eletrônico do voto.
As urnas problemáticas identificadas estavam em Alagoas, Paraná, Pernambuco e Sergipe.
Alguns eleitores relataram ter esperado horas na fila por causa de problemas na identificação biométrica também no Distrito Federal, no Maranhão, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Norte.
Três dias depois do primeiro turno, o TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro) anunciou que Niterói, vizinha à capital fluminense, abandonaria o método no segundo turno por causa dos problemas. A decisão foi anulada pelo ministro do TSE Dias Toffoli na terça passada (14).
Toffoli disse quando do primeiro turno que os problemas eram "isolados". "A identificação biométrica é um sucesso e foi um sucesso", afirmou então.
Risco de fraude
Para o professor Zanghetto, a taxa de erro atual, de 8,5%, é "razoável", mas é "uma taxa média que não é capaz de revelar questões específicas", como o de uma população ter as digitais desgastadas. "Essas regiões estariam mais sujeitas a possibilidade de fraude devido à muito provável alta taxa de falsos negativos [eleitores não reconhecidos]."
Nesses lugares, é mais fácil que uma pessoa se passe por outra, diz. "Se em uma comunidade qualquer é sabido que muitos eleitores não serão identificados pelo sistema biométrico devido a problemas naturais com suas impressões digitais, essa comunidade estaria mais vulnerável."
Depois de oito tentativas, o mesário deve liberar o eleitor para votação usando só seus documentos.
Apesar disso, segundo ele, a tecnologia de biometria usada no Brasil durante a fase de registro é de "alta qualidade". "Vale lembrar que o leitor biométrico usado na fase do recadastramento é muito superior ao leitor instalado nas urnas", diz.
Um representante técnico do PDT junto ao TSE e autor de um site dedicado à votação eletrônica, o engenheiro Amílcar Brunazo Filho, escreveu um artigo em que diz que o cadastro biométrico pode ser forjado, propiciando a ação de fraudadores.
"A biometria não soluciona o problema ao qual se propõe", diz. "Um mesário [que quiser fraudar votos] continua podendo pôr voto na urna se o eleitor faltar, e ainda existe a possibilidade de uma pessoa poder ter vários títulos
Neste ano, após uma varredura no banco de dados dos eleitores que já tinham feito o recadastramento biométrico, o TSE encontrou 2.671 casos de duplicidade de digitais.
Cada um deles poderia votar mais de uma vez no mesmo turno de uma eleição. Um eleitor havia cadastrado sua impressão digital em 20 cartórios -o que significa que poderia votar 20 vezes.
Sobre a demora, Brunazo diz que o TSE deveria separar a máquina de voto da de identificação, a exemplo de como é feito na Venezuela. Isso permitiria que um eleitor desse suas impressões digitais ao mesmo tempo em que outro votasse.
Alternativa
O eleitor que passa pelo recadastramento também está sendo fotografado em alta resolução. Zanghetto cogita por causa disso a possibilidade de que outro método de leitura biométrica, o de reconhecimento facial, venha a ser usado no futuro pelo TSE --questionado, o órgão não comentou.
Outros sistemas de biometria são mais seguros que usar a impressão digital, segundo Zanghetto. "Alguns exemplos são retina, íris, veias da mão e DNA. Por outro lado, se considerarmos o quanto uma pessoa está disposta a usar um identificador biométrico em situação cotidiana, apesar de mais seguras, biometrias por retina e DNA passam a não serem viáveis."
Preço
Em 2011, o TSE adquiriu 2.476 kits usados no recadastramento biométrico, processo exigido do eleitor nos 764 municípios em que há biometria, com um investimento total de R$ 29,5 milhões.
Em 2008, o tribunal anunciou que havia comprado 25 mil urnas biométricas por US$ 890 cada (o que hoje seriam R$ 2.200).Cerca de 530 mil urnas eletrônicas foram usadas no primeiro turno. O TSE não diz quantas delas são equipadas "de fábrica" com o identificador biométrico --separadamente, o acessório custa US$ 15 (cerca de R$ 37), de acordo com o órgão à época.
A fim de solucionar o problema de pessoas com dois registros, o TSE contratou neste ano uma empresa para fazer uma checagem ("batimento") das digitais por um montante entre R$ 77 milhões e R$ 82 milhões.
Além da identificação
Para o professor Halderman, o TSE não deveria se preocupar tanto com a identificação do eleitor. "Biometria é uma defesa contra votos repetidos, mas isso é raramente o maior risco que envolve pleitos".
"Minha preocupação é que a identificação biométrica são um teatro para passar a sensação de segurança --tenta-se fazer o sistema aparentar alta tecnologia enquanto há outras lacunas de segurança mantidas abertas."
Halderman afirma que o software que equipa urnas eletrônicas no Brasil, sejam elas dotadas de sensor biométrico ou não, é mantido longe do escrutínio de especialistas independentes do governo.
Isso ecoa a versão de pesquisadores como Diego Aranha, da Unicamp, que participou em 2012 do único teste público promovido pelo TSE da urna eletrônica, quando foram encontradas falhas graves, segundo ele. O resultado desse evento foi publicado em um relatório tornado público pelo pesquisador, então da UnB, e sua equipe.
Aranha afirma ser insuficiente a auditoria promovida pelo TSE, que convida fiscais de partido e representantes do MPF (Ministério Público Federal) e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) antes da eleição para atestar a segurança das urnas.
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