O prefeito que será eleito neste mês terá uma difícil missão em 2017. A recessão econômica, que teve início em 2014, prejudicou as finanças de Curitiba e ao mesmo tempo elevou a procura por serviços públicos, em decorrência da alta do desemprego. Este cenário, que se repete nas outras capitais brasileiras e deve perdurar por mais um tempo, restringe a capacidade de ação do gestor público.
Confira a pressão da crise sobre a demanda de serviços públicos de Curitiba
Opinião: falta vontade política em Brasília
O número de prefeitos que tentaram se reeleger, que vinha crescendo desde que a norma da reeleição foi instituída, caiu em 2016. Não é para menos: a crise financeira atingiu em cheio os municípios. A recessão afetou também a União e os governos estaduais, que tiveram queda na arrecadação. Mas as prefeituras sofrem pressão extra.
Os municípios é que são responsáveis por gerir os serviços básicos usados diariamente: saúde, educação, transporte. O fato é que não há dinheiro suficiente para todas essas obrigações. Nos últimos anos, o governo federal e o Congresso agiram irresponsavelmente, criando novos programas e obrigações que pesam nas finanças municipais.
Para contornar isso, os parlamentares já sabem o que fazer. Votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo e outros temas correlatos. Mas falta vontade política. Duas PECs que impedem a criação de novas despesas para municípios sem indicação da fonte de recursos foram aprovadas tanto pelo Senado como pela Câmara em agosto de 2015. Cada uma teve que ser remetida para a outra Casa, e ainda não houve avanços.
Em 2015, o número de famílias atendidas pelos Centros de Referência em Assistência Social (Cras) de Curitiba chegou a 61 mil: aumento de 38% em relação a 2014. Em 2016, a procura por iniciativas como o Armazém da Família também teve alta. De janeiro a abril, o programa registrou 10,5 mil novos cadastros: 76% mais do que no mesmo período do ano anterior.
A pressão também é evidente na saúde, onde dados sugerem uma migração de serviços particulares para o atendimento público. Nos últimos nove meses, mais de 25,6 mil curitibanos se desligaram de planos de saúde privados. No mesmo período, mais de 14 mil pessoas que sequer eram registradas no Sistema Único de Saúde (SUS) foram cadastradas na rede, em Curitiba.
A dificuldade é que, com a inflação alta e arrecadação em baixa, a capital paranaense viu sua Receita Corrente Líquida (RCL) cair 11,4% na comparação entre o primeiro semestre de 2016 e 2015. O cenário é o mesmo das outras capitais, que tiveram, em média, queda de 9,4% na RCL, em termos reais. Nos estados, a variação é de -5,6% e, na União, de -2,8%.
“Na maior parte das cidades, quem for eleito terá uma missão quase impossível. Cada vez há menos receita e cada vez há mais gastos”, avalia o cientista político David Fleischer, professor na Universidade de Brasília (UnB). Para o economista François Bremaeker, do Observatório de Informações Municipais, a situação financeira é tão precária que o Congresso deveria flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2016. Isso porque, diz ele, houve queda nos repasses de recursos voluntários e mesmo nas transferências obrigatórias, impactadas pela baixa arrecadação.
Alternativas
Apesar das dificuldades, é grande o anseio da população por obras e realizações. Uma alternativa, diz Fleischer, é buscar mais financiamentos externos. A situação fiscal de Curitiba permite essa ampliação. Pelos dados do segundo quadrimestre de 2016, a Dívida Consolidada Líquida (DCL) representa apenas 4,4% da RCL. O limite de endividamento é de 120% para municípios. “É preciso autorização do Senado, mas cumprindo a LRF, não há impedimento técnico”, diz Bremaeker.
Outro caminho é o fomento ao empreendedorismo, defende a Endeavor, organização que atua na área. Em carta aberta aos candidatos a prefeito de todo o Brasil, o diretor-geral da instituição, Juliano Seabra, diz que o município tem papel fundamental para reduzir a burocracia para se iniciar novos negócios.
Estrutura da máquina pública municipal terá de ser revista, diz especialista
- Felippe Aníbal
A pressão na demanda por serviços socioassistenciais está, segundo especialistas em administração pública, diretamente relacionada a três fatores principais: má gestão, corrupção e crise econômica. Por isso, a tendência é de que a maior dependência dos cidadãos pelos serviços públicos se acentue nos próximos anos, a ponto de ser considerada uma questão crucial para os próximos gestores.
“A crise não se resolve de uma hora para outra. Eu não tenho dúvida de que os prefeitos vão ter que se preparar. As pessoas não moram na União e nem nos estados, moram nos municípios. Então, o peso maior fica para os prefeitos”, disse o professor da administração pública José Matias Pereira, da Universidade de Brasília.
Os especialistas lembram que este é um fenômeno que acomete todos os municípios, que sofrem com a redução de receitas ao mesmo tempo em que observam o aumento da procura por serviços públicos. O professor Christian Luiz da Silva, coordenador do mestrado em governança pública da Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR), afirma que os prefeitos serão obrigados a rever toda a estrutura organizacional das prefeituras para cortar despesas.
“Os municípios terão que fazer cortes no tamanho das prefeituras, nas secretarias, nos cargos comissionados. Terão que se repensar de forma estrutural, o que é difícil, porque tem um custo político”, disse.
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