Com o mesmo olhar crítico com que comandou o Ministério da Fazenda, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, Karlos Rischbieter acompanha as denúncias envolvendo a Assembleia Legislativa do Paraná como um cidadão comum. Com revolta e espanto. Afastado da vida política e profissional há mais de 10 anos, continua o mesmo idealista da época em que foi requisitado para cargos estratégicos em governos de ideologias distintas era tido como referência na combinação de requisitos considerados ideais na gestão da coisa pública. Com um perfil técnico, foi ministro da Fazenda entre 1979 e 1980, no governo João Figueiredo, período marcado pela inflação alta e crise do petróleo. Antes já tinha sido presidente do extinto Badep e presidente da Caixa Econômica Federal no governo Ernesto Geisel.Hoje, aos 82 anos, vive em seu refúgio no bairro São Lourenço, cercado de verde e obras de arte. Lembranças das seguidas viagens, da cultura vivida dentro e fora do país. Nas paredes, estantes e mesas lotadas de história, de conhecimento. É lá que ele cultiva diariamente o hábito da leitura de livros, jornais e revistas.
Rischbieter nasceu em Blumenau (SC) e veio aos 18 anos para Curitiba cursar engenharia na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Exerceu a profissão por cinco anos, mas descobriu que gostava mesmo é de administração, números, finanças. Foi estudar na Europa e voltou decidido a trabalhar na área econômica. Na vida pessoal também foi resoluto. O casamento de 30 anos com a engenheira e urbanista Francisca "Fanchette" Garfunkel só terminou quando ela morreu de câncer, em 1989. Quatro anos depois disso, Rischbieter encontrou Rosa Maria, ex-mulher do amigo Cecílio Rego Almeida (falecido em 2008). Juntaram-se eles, os dois filhos dele e os seis de "Rosita", entre eles, o deputado federal Marcelo Almeida. O resultado são 22 netos, numa "pequena multidão" que mora em Curitiba e lota a mesa no Natal.
Casado pela segunda vez há 16 anos e apaixonado pela vida, Rischbieter decidiu contar um pouco do que viveu em 2008, quando completou 80 anos. Karlos com K, como gosta de se apresentar, estava certo que ninguém compraria o livro Fragmentos de Memória, mas escreveu para se divertir, porque teve "uma vida muito boa". Ao analisar a crise política pela qual passa a Assembleia Legislativa, Rischbieter cobra a mobilização da sociedade, a continuidade da apuração das denúncias envolvendo o Legislativo e faz um apelo para que todos defendam permanente a democracia.
A corrupção é maior do que quando o sr. estava no governo?
A fiscalização está melhor, as coisas estão aparecendo mais e a impressão que se tem é que há muito mais corrupção. Mas não é maior que no passado. Veja o caso de Brasília, por exemplo. Não seria possível há 10, 20 anos, desvendar o esquema de corrupção envolvendo o ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda [ex-DEM]. Só com a câmera escondida é que foi possível flagrar o ex-governador recebendo dinheiro, uma combinação de democracia e tecnologia que fizeram com que as coisas sejam mais visíveis. Nesse sentido, acho que o trabalho da Gazeta do Povo e RPC TV é muito elogiável, porque é preciso levantar dúvidas quanto às coisas certas e erradas. Por tudo que já mostraram, há muita coisa errada.
E quem poderia ser responsabilizado?
Isso quem tem de verificar é a polícia. Eu faço um apelo a todos os amigos para que escrevam para a Gazeta, apoiando essa iniciativa de abrir esse assunto, temos que chegar até o fim. Temos o direito de saber o que está acontecendo. Acho um perigo dizer que todos os deputados praticam atos irregulares não se pode dizer isso. A culpa coletiva é sempre um perigo muito grande. Separar o joio do trigo é importante e cabe à Justiça fazer isso. Mas não podemos deixar que esse assunto seja enterrado. Toda a sociedade civil pode ajudar nisso, senão a culpa será nossa.
E a sociedade está se mobilizando como deveria?
Fico triste porque não vejo associações de classe se manifestando, sindicatos, organizações. Cadê a Federação das Indústrias do Paraná? A Federação da Agricultura? Essas entidades fortes têm de se manifestar contra ou a favor, mas não podem ficar caladas.
E por que essa mobilização não ocorre no Paraná?
A ditadura acabou só em 85, e o caminho de uma nação não é reto, é tortuoso. Cabe a nós dar a direção correta. O Paraná é um estado muito para dentro, não somos de ir para rua fazer manifestação como o carioca ou o brasiliense, mas temos que mobilizar o povo, a Gazeta precisa insistir nesse assunto.
O senhor acredita que esse tipo de pressão dá resultado prático?
A cidadania interfere e auxilia para que essa coisa ande. Todo mundo tem de ter interesse em saber o que há, se é crime ou desorganização apenas. Eu acho que esse exemplo do ex-governador de Brasília é um alento para o Brasil porque é a primeira vez que um governador no exercício do cargo vai para a cadeia. Abriu um precedente. É uma coisa nova no Brasil. Se nós não abrirmos a boca não somos cidadãos.
A fiscalização sobre a Assembleia está sendo eficiente?
A função do Tribunal de Contas é maravilhosa, de fiscalizar as prestações de contas dos poderes, mas aprovou todas as contas da Assembleia Legislativa com apenas uma ressalva, que era a grafia do nome do presidente da Casa. O TC tem de ser essencialmente técnico, com pessoas que saibam analisar balanços, relatórios. Em relação ao Ministério Público não sei dizer, a investigação começou há um mês. Essas coisas precisam ser tratadas com cuidado, mas tenho confiança de que a Justiça vai dar as respostas. A OAB já se pronunciou [defende a saída da mesa diretora].
Uma pesquisa divulgada pela Gazeta do Povo mostrou que 45% dos entrevistados não ficaram surpresos com as denúncias envolvendo a Assembleia. A população está anestesiada?
É o sentimento da pizza. A Justiça tem de funcionar. Pelo menos tivemos uma mudança muito grande no governo Lula: a Polícia Federal ganhou mais força, claro que com um pouco de exageros, mas onde não tem? Se o senhor estivesse no comando da Assembleia, como agiria?
Eu acho que se eu fosse o presidente da Assembleia e o primeiro-secretário teria o maior interesse em esclarecer tudo, eu seria o primeiro a chamar a polícia para investigar. A gente não entende como pode haver funcionários que recebem quantias grandes e nem conhecem a Assembleia. São várias coisas muito assustadoras. É uma desorganização muito forte ou é crime. Temos de defender a democracia todo dia, é a chance de fazer o melhor. O José Sarney encomendou um estudo para a Fundação Getúlio Vargas que concluiu que o Senado poderia funcionar com 10% dos funcionários. A presidência da Assembleia poderia fazer o mesmo. Os deputados precisam ser os maiores interessados em investigar a denúncia e não achar que é coisa pequena. A ditadura é muito fácil, a democracia é muito difícil porque a gente tem que pensar. No Paraná, a Gazeta está levantando uma questão que vai ajudar o povo a pensar e tomar posição.
Mas na época em que o seu cotidiano era no meio do poder, como encarava a corrupção?
Meus pais me diziam sempre para eu ser sério a vida toda porque viveria e morreria tranquilo. Casei com uma mulher que era muito crítica. Ela me ajudou muito. No café da manhã ela me dizia: "Você está muito com cara de ministro hoje. Olha lá, não vai fazer besteira". Ela me chamava a atenção porque a tentação de fazer besteira é muito grande quando se ocupa um cargo público. Os diabinhos estão todo dia à espreita para ver se pegam alguém. A gente tem que se autocontrolar, porque o poder corrompe.
E nunca teve vontade de disputar uma eleição?
Não. A única eleição que disputei foi a da presidência do Conselho Rodoviário, do Departamento de Estradas e Rodagem (DER). Eu ganhei e o Ney Braga, governador na época, me telefonou e disse: "Agora sim, você é uma pessoa eleita". Ele era uma figura maravilhosa. Briguei muito com ele na vida, mas foi um grande homem e governador.
Falando em governador, como o senhor avalia o estado hoje?
Curitiba teve muita sorte desde o governo Ney Braga, com prefeitos bons e razoáveis. Em relação ao estado, tenho antipatia solene pelo senhor Roberto Requião não tanto pelo governo que fez, mas como pessoa. Eu acho essa mania dele de debochar e agredir profundamente desagradável. Como governador, ele não fez algo que foi a minha tarefa quando presidente do Badep, a de atrair empresas para o Paraná. O nosso modelo econômico exige a relação com empresários e eu viajei muito para trazer empresas como a Volvo e a Bosh, que trazem emprego, faturamento e impostos. Nesse ponto, Requião acha que empresário é ladrão. O Estado tem que atender os mais pobres, mas também dar condições para que a iniciativa privada dê emprego. É uma confusão de políticas que não dá para entender. Já na parte da saúde, acho ele foi bem.
Veja todas as denúncias feitas pelo jornal Gazeta do Povo e pela RPCTV sobre os Diários Secretos da Assembleia Legislativa.
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