Entrevista
A Assembleia é uma desorganização muito forte ou então é crime
Com o mesmo olhar crítico com que comandou o Ministério da Fazenda, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, Karlos Rischbieter acompanha as denúncias envolvendo a Assembleia Legislativa do Paraná como um cidadão comum. Com revolta e espanto. Afastado da vida política e profissional há mais de 10 anos, continua o mesmo idealista da época em que foi requisitado para cargos estratégicos em governos de ideologias distintas era tido como referência na combinação de requisitos considerados ideais na gestão da coisa pública. Com um perfil técnico, foi ministro da Fazenda entre 1979 e 1980, no governo João Figueiredo, período marcado pela inflação alta e crise do petróleo. Antes já tinha sido presidente do extinto Badep e presidente da Caixa Econômica Federal no governo Ernesto Geisel.
Apesar de as investigações sobre as denúncias contra a Assembleia Legislativa do Paraná estarem apenas no começo, uma coisa é certa: os diretores da Casa foram coniventes, omissos ou participaram dos atos irregulares, que vêm sendo denunciados pela Gazeta do Povo e RPC TV há três semanas. Isso porque as pessoas que comandavam e que ainda comandam a complexa máquina administrativa da Assembleia tinham o dever de impedir os desmandos relatados na série "Diários Secretos".As partes mais importantes da engrenagem no caso, os cargos de chefia têm responsabilidades claras e expressas, como a de guardar todas as edições de diários oficiais da Casa ou de elaborar os empenhos de pagamentos de funcionários. Boa parte dessas atribuições está expressa no Decreto Legislativo n.º 52/84, que versa sobre a estrutura administrativa da Assembleia. O professor José Vicente de Mendonça, da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, ressalta que os órgãos públicos funcionam, em geral, de acordo com uma lógica "departamentalizada". Isto é, entre outras características, o poder está dividido em vários departamentos, para não ficar nas mãos de poucas pessoas. Assim, para fazer um simples pagamento, é necessária a participação de vários setores e o envolvimento de muitos funcionários. Esse processo dividido em várias partes é importante para que ocorra o controle e fiscalização do poder público. "Há várias etapas para a realização de um gasto. Não é como pegar dinheiro e ir comprar pão na padaria. E isso é bom porque, em tese, deve servir para tornar a despesa impessoal", diz.
Mendonça, que é doutor em Direito Público, destaca que mesmo uma irregularidade singela acaba passando pela mão de muitas pessoas nos órgãos estatais. "Se tem um monte de gente pra olhar e passa algo pequeno, como um peixinho, talvez não seja notado, mas quando estamos falando de várias baleias, e esse parece ser o caso da Assembleia do Paraná, não tem como dizer que não foi possível perceber", enfatiza.
Para o professor, tendo em vista as atribuições expressas no Decreto 52/84 que deixam claras as responsabilidades de cada diretor , houve, no mínimo, omissão. "A pessoa pode não ver uma situação isolada num determinado dia, mas, quando a ação é sistemática, é difícil achar desculpa", pondera. Diretores que se omitiram, explica o professor, podem inclusive ter praticado um crime: a prevaricação. Por definição, é quando um funcionário público protela ou deixa de praticar ato exigido por lei para satisfazer algum interesse.
De acordo com o advogado Edmar Luiz Costa Júnior, especialista em Direito Civil, a ação ou a omissão pode motivar processo para reparação do dano ao erário. "Não tem como fazer sozinho tudo o que os indícios apontam", salienta. Ele ressalta ainda que o funcionário público tem o dever legal de informar as autoridades quando se depara com alguma irregularidade.
Bibinho
O Decreto Legislativo 52/84 dá amplos poderes ao diretor-geral, cargo ocupado até meados de março por Abib Miguel, o Bibinho, que ficou mais de 20 anos no posto. A direção-geral domina todas as ações de controle e fiscalização da Casa e é responsável pelas licitações. Contudo, a mesma normativa estabelece que é a Comissão Executiva, formada pelo presidente da Assembleia, pelo primeiro-secretário e pelo segundo-secretário, que deve julgar os atos da direção-geral. Além disso, cabe ao primeiro-secretário, cargo hoje ocupado pelo deputado estadual Alexandre Curi (PMDB), supervisionar os trabalhos da administração.
A norma do Legislativo parece bem longe da realidade. Segundo o decreto, o diretor financeiro é responsável por toda a movimentação bancária da Assembleia. Mas Wilians Romanzini, que ocupa o cargo, alega que não autoriza os pagamentos de salários de forma individualizada. "Vem um arquivo codificado do departamento de pessoal e eu apenas autorizo o banco a executar os depósitos. Não passa pela minha mão pagamento por pagamento e sim o valor total da folha. Não tem como eu saber o valor repassado para cada funcionário."
Mudanças
Desde que teve início a série Diários Secretos, em 15 de março, ocorreram quatro mudanças em cargos de diretoria na Assembleia. No lugar de Abib está o advogado Eron Abboud; José Ary Nassiff foi afastado da diretoria administrativa e substituído por Romanzini, que acumula a diretoria financeira; a diretoria de pessoal saiu das mãos de Claudio Marques da Silva para Antônio Carlos Gulbino; David Campos, que deixou o setor de Serviços Especiais da Casa para assumir cargo na prefeitura, passou a função para Dorival Vianna.
Veja todas as denúncias feitas pelo jornal Gazeta do Povo e pela RPCTV sobre os Diários Secretos da Assembleia Legislativa.
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