"Só em ditaduras não se pode mudar uma decisão dessas"
Alberto Torregiani e Adriano Sabbadin ainda esperam um desfecho que eles consideram positivo para o caso Cesare Battisti: a extradição. Mas, assim como Maurizio Campagna e Alessandro Santoro também parentes de vítimas do PAC, cujas histórias foram relatadas ontem pela Gazeta do Povo , nenhum deles arrisca dizer qual seria a saída jurídica para isso.
Câmara italiana vota hoje moção pedindo a extradição
Os deputados italianos vão começar a votar hoje uma nova moção pedindo a extradição de Cesare Battisti. Esse deve ser o último apelo a ser feito pela Itália ao Brasil para que o ex-ativista de esquerda seja entregue. Ainda nesta semana, o Parlamento Europeu também vai votar um texto com o mesmo conteúdo.
Novara e Veneza, Itália - O italiano Alberto Torregiani, de 47 anos, aos 15 ficou paraplégico após levar um tiro, em Milão, Norte da Itália, numa emboscada do grupo extremista PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), do qual fazia parte Cesare Battisti. Alberto diz que sabe como resolver a situação de Battisti, cuja extradição ao seu país foi negada pelo Brasil. "Se a gente conversar por dez minutos, tenho certeza que ele dirá: Levem-me à prisão. Porque, se ele ficar frente a frente com a responsabilidade e a verdade dos fatos, não penso que possa agir de outra maneira", afirma.
Alberto é um dos poucos sobreviventes dos ataques dos extremistas de esquerda que agiram no território italiano no fim dos anos 70. Mas, no tiroteio em que se feriu, perdeu o pai, Pierluigi Torregiani, um joalheiro, que na época tinha 42 anos. O crime ocorreu em 16 de fevereiro de 1979, sem a participação de Battisti. Mas o italiano preso no Brasil foi condenado pela Justiça italiana como mandante do assassinato.
Na primeira instância, Battisti havia sido incriminado como executor. Isso gerou muitos protestos da parte dele, já que Battisti também havia sido condenado pela morte de Lino Sabbadin, ocorrida no mesmo dia e quase ao mesmo tempo, em uma pequena cidade nas imediações de Veneza, a 260 quilômetros de Milão. Posteriormente, a Corte de Cassação, um tribunal superior, reformou a sentença, condenando Battisti como mandante da morte do joalheiro Pierluigi.
Mas Battisti sustenta que é inocente desses dois homicídios e dos outros dois pelos quais foi condenado à prisão perpétua nas três instâncias judiciais italianas. Ele havia fugido para o exterior em 1981 e alegou que nem tinha conhecimento dos processos contra ele julgados entre 1988 e 1993. O italiano, preso no Brasil desde 2007 por uso de passaporte falso, afirma ainda que a sentença está embasada nas declarações de ex-integrantes do PAC arrependidos que tinham interesse em colaborar com a Justiça para obter a redução de suas penas.
O joalheiro
Pelas investigações italianas, o joalheiro Pierluigi Torregiani foi escolhido como alvo pelo PAC de Battisti porque havia reagido a um assalto e matado um bandido. Alberto lembra que o pai estava sempre armado, porque quase sempre portava pedras preciosas, e aqueles eram dias difíceis, de muita violência na Itália. Após matar o ladrão, Pierluigi começou a receber telefonemas ameaçadores, e por isso passou a contar com escolta policial.
Mas, naquele 16 de fevereiro, houve um atraso na troca da escolta. Pierluigi resolveu sair assim mesmo. Estava acompanhado de uma das duas filhas, que trabalhava com ele, e de Alberto. "Não fazia esse trajeto sempre. Eu estava a caminho da casa de um amigo, para estudar e depois jogar bola. Aí vi uma pessoa com comportamento estranho. Achei que estava pegando uma arma e adverti o meu pai. Mas, já em seguida, fui atingido e caí. Só lembro de uns gritos. Depois, apaguei." O pai foi morto com um tiro na cabeça.
Alberto ficou em coma por três dias. Mas, para sair do hospital, levou três anos. "Quando cheguei aos 18, ganhei a liberdade", brinca Alberto. A adolescência não foi de todo perdida. Para ele, o tratamento feito durante esse período possibilitou que se tornasse independente. Alberto hoje dirige o próprio carro e consegue fazer muitas coisas sem a ajuda de ninguém.
Mas também passou por momentos difíceis. Ele recebeu uma indenização na época, que seria suficiente para retomar a vida. Mas a joalheria do pai acumulou uma dívida imensa, quitada depois de quatro anos, quando o negócio foi fechado. Não havia muita gente que pudesse ajudar. Alberto e as irmãs já haviam perdido os pais naturais, e Pierluigi, que não era casado, os havia adotado. Apesar disso, sentado em sua cadeira de rodas em sua casa, na cidade de Novara, próxima a Milão, a única coisa que diz lamentar é que não pode mais jogar futebol.
Hoje, filiado ao PDL, partido do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, Alberto diz temer o mau exemplo que o caso Battisti possa suscitar. Por isso ele se propõe a viajar ao Brasil e relatar tudo ao Supremo Tribunal Federal (STF), na esperança de que, quem sabe, seja revertida a decisão tomada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no último dia de seu mandato, de não extraditar Battisti.
O açougueiro
"Tenho 49 anos. Nunca, mas nunca, passei um fim de ano tão horrível como esse último", afirma Adriano Sabbadin, filho de Lino Sabbadin, outra das vítimas de Battisti, segundo a Justiça italiana. Adriano diz que esperava uma decisão diferente de Lula, para que finalmente Battisti cumprisse sua pena na Itália. "Antes, me bastava que ele dissesse Eu errei, desculpa. Nem precisava ficar preso. Mas, agora, isso não me basta. Battisti não é inocente. É o homem que matou meu pai."
Seu pai, Lino, tinha 46 anos quando foi atingido, no distrito de Caltana, em Santa Maria di Sala, a 25 quilômetros de Veneza, Norte da Itália. Segundo a investigação, Lino levou quatro tiros quando estava trabalhando em seu açougue o mesmo negócio que o filho mantém até hoje.
"Eu vi Battisti. Ele usava uma barba, postiça talvez", relembra Adriano, que na época tinha 17 anos e trabalhava junto com os pais. Mesmo hoje, ele se emociona muito ao relembrar aquele dia. Tem a voz embargada e os olhos vermelhos.
"Lembro-me como se fosse hoje. Meu pai caiu, minha mãe o abraçou e a sua roupa branca ficou cheia de sangue." O luto da família, que ainda contava com duas meninas, de 13 e de 6 anos, durou pouco, pois era preciso manter as portas do açougue abertas, para garantir o sustento econômico.
Segundo Adriano, um tempo antes do homicídio, seu pai reagira a um assalto no açougue e acertou um ladrão, que acabou morrendo algumas horas depois. "Por isso foi morto. E por isso Battisti não pode dizer que não aconteceu nada. É hora de fazer justiça."
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