Passava de 13 horas quando uma frase do ex-presidente Juscelino Kubitschek encerrou a palestra na Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), no último dia 19, em São Paulo. “Creio na vitória final e inexorável do Brasil”, dizia o mineiro sorridente, encarnado no Power Point com um chapéu na mão. Animado com os aplausos, o palestrante arrematou: “Eu espero que tenha conseguido substituir à altura o ministro José Serra”.
A modéstia exibida diante daquela plateia de empresários pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, não condiz com seu poder no governo. Convidado na última hora para falar sobre os desafios do país pós-impeachment, no lugar do chanceler Serra - escalado para acompanhar o presidente Michel Temer na viagem a Nova York -, Padilha encaixou o compromisso na apertada agenda e só retornou a Brasília às 22 horas.
Era mais um dia atribulado na rotina do homem que é, hoje, um dos mais próximos conselheiros de Temer. Metódico e conhecido por fazer planilhas com resultados precisos sobre votações no Congresso, o chefe da Casa Civil foi decisivo na articulação que resultou no impeachment da presidente Dilma Rousseff e virou uma espécie de fiador político das promessas de reformas.
Atribuições
Aos 70 anos, Padilha trata de temas tão diversos que sua atuação desperta ciúmes no Palácio do Planalto, chamado nos bastidores de “serpentário”, por causa das costumeiras disputas por espaço. Estão sob sua alçada assuntos que vão dos problemas de comunicação do governo à reforma da Previdência; da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre limite de gastos públicos à reativação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, além da lei das agências reguladoras e o novo estatuto dos fundos de pensão.
Com a missão de fazer o governo mostrar resultados rápidos, para dissipar o “Fora, Temer”, Padilha tem audiências de meia em meia hora em seu gabinete no quarto andar do Planalto e recebe mais de cem ligações por dia. A única pausa que faz, por volta de 18h30, é para conversar com a filha caçula, Elena, de um ano e nove meses, pelo FaceTime de seu tablet. Não é raro ele disparar mensagens a deputados pelo WhatsApp às 2 horas da madrugada.
“Meia vitória é melhor do que uma derrota total”, diz o ministro, com retórica de advogado, em busca de apoio no Congresso. Nas audiências, tem o hábito de puxar um bloco, fazer rabiscos e anotar tópicos. “Nós não admitimos claraboias”, afirmou ele ao falar sobre as anunciadas tentativas de mudanças na PEC do teto de gastos. No dia seguinte, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, pôs por terra esse argumento. “Não sei se o governo tem força para aprovar o texto como mandou.”
Comunicação
Diante de tantas trombadas, o secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco, quer um porta-voz para alinhar a comunicação da equipe. Em conversas reservadas, amigos de Padilha avaliam que, por trás dessa iniciativa, existe a intenção de esvaziar parte do poder da Casa Civil, pasta à qual a Secretaria de Comunicação Social (Secom) é subordinada.
Amigo de Temer e também fortalecido, Moreira Franco diverge de Padilha sobre a estratégia para conter os deslizes verbais no primeiro escalão. No diagnóstico do secretário, a Casa Civil deve atuar mais para dentro. Na prática, porém, foi o incômodo de todos com a baixa aprovação do governo que acabou escancarando a guerra no Planalto.
Na terça-feira, dia 20, 24 horas após aquela palestra na Abimaq - antecedida por um seminário na BM&F Bovespa e seguida por uma viagem para balanço da Paralimpíada, no Rio -, a pressão de Padilha foi às alturas. Internado com labirintite, ele conseguiu voltar para casa, em Porto Alegre. Passou os últimos dias de molho, por ordem médica.
A tensão maior, no entanto, ocorreu no dia 8, quando o ministro discutiu com o então chefe da Advocacia-Geral da União Fábio Medina Osório, que havia indicado para o cargo. “Ou você se demite ou está fora”, disse-lhe Padilha. Medina havia pedido acesso aos inquéritos da Lava Jato que envolviam políticos e atribuiu sua demissão a uma tentativa de abafar as investigações, hipótese rechaçada pelo Planalto. “Um governo com superministro acaba mal”, afirmou Medina.
Ministro da Aviação Civil no governo Dilma, Padilha chegou a ser convidado pela então presidente, em abril do ano passado, para comandar a Secretaria de Relações Institucionais, responsável pela articulação política com o Congresso. Naquele momento, a crise já assumia proporções assustadoras. Não aceitou o cargo, mas se “mudou” para o Planalto e ajudou Temer na missão. Foi assim que Dilma tirou do papel importantes medidas do ajuste fiscal, mas, a partir daí, identificou uma “conspiração” para derrubá-la.
No Jaburu
Primeiro aliado de Temer a deixar o governo após o então presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) aceitar o pedido para depor Dilma, Padilha começou a coordenar, longe dos holofotes, o rompimento do PMDB com o Planalto e a operação para o impeachment. Suas conversas com Temer, nessa época, varavam a madrugada. Muitas vezes, ele dormia no Palácio do Jaburu, a residência do vice.”Padilha sempre foi um executor de tarefas”, resumiu Cunha, que também frequentava o Jaburu. “Ele agrega, mas não é estrategista.”
Na avaliação de deputados e senadores do PT, Dilma foi ingênua ao deixar Padilha mexer com o mapa do Congresso porque acabou tendo nas mãos a radiografia do toma lá dá cá. Em 17 de abril, suas planilhas indicavam que o pedido de impeachment seria aprovado na Câmara por 368 votos. Errou por apenas um - foram 367.
Em 31 de agosto, no último capítulo do processo, previu que 61 senadores diriam “sim” à queda de Dilma. Acertou na mosca. “Lá no Sul a gente costuma dizer que ele consegue enxergar o que vai acontecer depois da curva”, comentou o deputado Mauro Pereira (PMDB-RS).
Gaúcho de Canela, ex-engraxate, Padilha foi prefeito de Tramandaí (RS) de 1989 a 1992. Aproximou-se de Temer e de Geddel Vieira Lima, hoje ministro da Secretaria de Governo, quando todos eram deputados federais.
Foi ministro dos Transportes no governo de Fernando Henrique Cardoso e, em 1999, enfrentou um escândalo provocado pela denúncia de pagamentos irregulares de precatórios. Sempre negou as acusações. À época, Temer, que era presidente da Câmara, e Geddel, então líder do PMDB, integravam a linha de frente de sua defesa. Dezessete anos depois, o PMDB assumiu o poder. E eles continuam juntos.
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