A luta contra a corrupção ou é universal ou não é luta contra a corrupção. A justiça se aplica a todos ou não é justiça; é vingança ou perseguição. O que ocorre hoje no Brasil, com condução coercitiva do presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, é justiça ou é perseguição? A resposta a essa questão não é simples. Gostaria de chamar a atenção para alguns pontos.

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Primeiro, desde 2003, com o início do governo do PT, instituições como o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a Procuradoria Geral da União foram sistematicamente fortalecidas na sua autonomia funcional e nos seus recursos materiais, técnicos e humanos. Como consequência, houve no período um número muito maior de operações quando comparamos com períodos anteriores. Ora, na medida em que parte da cúpula do Partido dos Trabalhadores efetivamente se envolveu em atividades ilícitas, era inevitável que a vocação investigativa dessas instituições atuasse sobre o partido no governo.

Segundo, na medida em que a autonomia institucional dessas instituições e de seus agentes foi fortalecida, eles próprios se transformaram em agentes políticos estratégicos dentro do sistema político nacional. Agentes políticos estratégicos, mas não partidários. Querem mais poder e não prejudicar prioritariamente este ou aquele partido. Estrategicamente, porém, ir para cima do PT é a forma mais rentável para esses agentes acumularem poder. Sabem que assim somam à sua autonomia institucional o apoio da mídia conservadora e de parte significativa da população. Esses agentes têm uma visão “salvacionista” da política, isto é, veem a si próprios como salvadores da pátria e purificadores da nação. É só ver as incontáveis metáforas assépticas de Moro e Deltan Dallagnol. Como todo salvacionista, não hesitam em cometer “exageros”. Hoje, a coluna de Mônica Bergamo na Folha de S. Paulo informa que resolveram “vazar” as delações de Delcídio para forçá-lo a assinar o acordo de colaboração. Dirigem-se à casa de Lula, aproveitando uma delação ainda não confirmada pelo STF, e armam um espetáculo que, como já sabem, conta com enorme apoio político. Agem, portanto, segundo uma lógica própria e usam estrategicamente dados do contexto para se fortalecerem politicamente.

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Terceiro, a oposição aproveita para fazer uso oportunista de tudo isso e, ao fazê-lo, reforça o poder de Moro e sua turma. Tendo perdido espaço político no governo federal desde 2003, incapazes de vencer nas urnas, viram nas investigações a grande oportunidade de, pela via do impeachment, chegarem ao poder novamente. Na luta contra o partido do governo, vale tudo para recuperar o lugar perdido há tanto tempo. Mas como aos salvadores da pátria interessa “limpar” o país, aceitam o apoio oportunisticamente e, mais cedo ou mais tarde, irão também para cima dos partidos da oposição. Se com a mesma força, não se sabe, pois o inimigo será de outra natureza. De qualquer forma, o tiro pode sair pela culatra e a oposição seguir ladeira abaixo, acompanhando o PT e abrindo espaço para a completa desmoralização do sistema político nacional, sem qualquer garantia de que dessa vontade de purificação surgirá necessariamente algo melhor. Mãos Limpas na Itália, ideal a orientar as ações de Moro, mostra que o bem não surge necessariamente do combate ao mal.

Quarto, vazamentos seletivos amplificados por uma mídia que, desde 2005, mantém os crimes petistas nas primeiras páginas e joga para debaixo do tapete os crimes dos seus associados. De maneira irresponsável, vazam, divulgam meias verdade, não retificam erros e assim por diante. A mídia me parece descaradamente partidária. Moro e seus colegas, não; querem mais poder para realizar o seu sonho de limpeza.

É a conjugação entre existência efetiva de práticas ilícitas pela elite política nacional (e não apenas pelo PT), autonomia institucional e vontade de poder das instituições em questão, cegueira e oportunismo político da oposição e comportamento descaradamente enviesado de parte da grande mídia nacional que compõem o complexo quadro atual. Nesse quadro, os agentes são diversos e os interesses múltiplos. Nem todos querem lutar contra a corrupção e os que querem o fazem, não raro, na contramão da democracia.

Renato Perissinotto é professor de ciência política da UFPR