Transformada em ré na última terça-feira (27) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a senadora pelo Paraná Gleisi Hoffmann (PT) fez duras críticas à atuação dos investigadores da Lava Jato, que estariam, segundo ela, “atuando como justiceiros”.
Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, a petista foi questionada sobre pontos da denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) e sobre qual o impacto político do processo que ela começa a responder agora perante o STF.
“É surreal porque não há provas fáticas. Em condições de normalidade política e institucional, o STF não aceitaria essa denúncia”, avalia ela, que recebeu a reportagem em seu gabinete no Senado, em Brasília, na tarde de quarta-feira (28).
A PGR acusa a senadora e o seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, além do empresário de Curitiba Ernesto Kugler Rodrigues, de receberem R$ 1 milhão do esquema de corrupção da Petrobras para aplicar na campanha eleitoral da petista ao Senado, no ano de 2010. Os três agora respondem a um processo por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Na denúncia, a PGR narra que o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, a pedido de Paulo Bernardo, teria providenciado R$ 1 milhão para a campanha eleitoral da petista. A operação teria sido feita pelo doleiro Alberto Youssef, com a ajuda do advogado Antonio Carlos Pieruccini.
Antigo parceiro de Youssef, Pieruccini sustenta que pegou o dinheiro no escritório do doleiro em São Paulo e levou para Curitiba, onde entregou para o empresário Ernesto Kugler Rodrigues, amigo do casal. Os três, que têm advogados diferentes atuando no caso, negam ter recebido o dinheiro.
“Eles estão dizendo que foram quatro repasses. Aí eles cruzaram todos os telefones possíveis e imagináveis naquele período [da campanha eleitoral de 2010]. Do Ernesto para o Youssef, não tem [ligação]. Youssef disse que ligou. Do Youssef para o Ernesto também não tem. Só teria aquele registro de ligação [sem o conteúdo da conversa], do Pieruccini para o Ernesto. Nesse tempo todo, só tem isso? Eles se comunicaram por onde? Por tambor? Só pode ser, né?”, ironizou a senadora.
O relator do caso no STF, ministro Teori Zavascki, disse que a denúncia contém os “elementos básicos” para ser transformada em ação penal. A partir de agora, dentro da ação penal, serão ouvidas testemunhas de defesa e de acusação. A sentença final – condenação ou absolvição – deve sair no máximo daqui dois anos, na estimativa da defesa da senadora.
“Nós não temos medo de investigação. As gestões Lula e Dilma deram todas as condições para investigações, de autonomia do Ministério Público e da Polícia Federal até a criação de um arcabouço legal. O que não é justo e não é certo é que essa investigação seja seletiva, seja midiática e seja conduzida desta forma”, atacou Gleisi.
Leia os principais trechos da entrevista:
Como é, ou como era, o seu relacionamento e o de Paulo Bernardo com Paulo Roberto Costa [ex-diretor da Petrobras] e o doleiro Alberto Youssef?
Não tínhamos nenhum relacionamento. Nem com Paulo Roberto Costa, nem com Alberto Youssef.
Moro coloca em liberdade executivos presos junto com Guido Mantega
Leia a matéria completaNenhum contato?
Eu nunca tive contato com nenhum dos dois. E o Paulo Bernardo com certeza não teve nenhum contato com Alberto Youssef. E, com Paulo Roberto Costa, ele [Paulo Bernardo] deve ter se encontrado em eventos do governo federal só.
A senhora teve total controle sobre as contas da sua campanha eleitoral de 2010? Acompanhava de perto?
Eu não acompanhava de perto porque campanha é uma loucura. A minha parte da campanha era relações públicas, se isso fosse uma estrutura empresarial, digamos assim. Eu tinha que estar na rua fazendo campanha. Impossível acompanhar de perto. Falava com alguns doadores, pedia recursos, e indicava as pessoas que seriam as interlocutoras, responsáveis pela tesouraria, pelo recebimento do recurso, pela prestação de contas.
Diante do escândalo de corrupção revelado pela Lava Jato, não há qualquer hipótese de dinheiro desviado da Petrobras ter entrado no caixa da sua campanha eleitoral?
Desconheço completamente. Veja, na investigação que fizeram contra a gente, levantaram todas as nossas possíveis idas à Petrobras, não tem. Telefonemas para Petrobras, não tem. Contato com servidores da Petrobras, não tem. Contato com Paulo Roberto Costa, não tem. Então como a gente poderia estar articulando recursos ilícitos para a minha campanha?
O seu marido, em 2010, estava na condição de ministro. E a PGR fala na denúncia sobre o papel dele como “arrecadador” da sua campanha eleitoral. Ele tinha mesmo essa função de pedir ajuda aos empresários, como falou, por exemplo, o empreiteiro da UTC Ricardo Pessoa [delator condenado da Lava Jato]?
Ele não tinha essa função de arrecadação, mas ele me ajudava. Ele conhecia alguns empresários e obviamente ele proporcionou que eu fizesse contato. Dizia que eu estava em campanha e que eu iria pedir. E sempre pedi dentro da legalidade. Então, não era uma função dele, mas obviamente que ele me ajudou.
O Delcídio do Amaral [senador cassado, delator da Lava Jato] também comentou que a função dele como ministro não atrapalhava e até facilitava. Era isso mesmo? Ele tinha facilidade de acesso aos empreiteiros, algo assim?
Não é que facilitava. Ele tinha conhecimentos. Assim como qualquer outro ministro tem, como qualquer outra pessoa em função pública tem, assim como eu tenho.
Qual o relacionamento de vocês, da senhora e do seu marido, com o empresário Ernesto Kugler Rodrigues?
É um relacionamento de amizade, a gente se conhece há muito tempo, e ele sempre me apoiou nas campanhas. Mas nunca foi uma pessoa central, de arrecadar e de buscar recursos. Ele fazia contatos com alguns empresários lá do Paraná. Ajudava a aproximar, para falar da campanha, fazer jantares. Mas não tinha função de arrecadação.
A PGR fala na denúncia de [registros de] ligações do celular do Ernesto Kugler Rodrigues para o seu coordenador financeiro da campanha [Ronaldo da Silva Baltazar].
Mas ele ajudava na campanha. Por exemplo, nós fazíamos jantares para empresários. Ele era uma das pessoas que articulava, que vendia os convites, que ia atrás, que chamava gente. O irmão dele é filiado ao PT. Ele tinha contato com o pessoal da campanha. Assim como dizem na denúncia que eu ligava várias vezes para o PT, que eu liguei, coincidentemente, num dos dias da entrega [do dinheiro]. Gente, eu fui presidente do partido. É óbvio, o partido coordenava minha campanha. Eu ligava muito para o PT atrás das pessoas. Qualquer dia que você for pegar é capaz de ter ligação minha para o PT.
Mas o Ernesto conhecia o Pieruccini?
Ele disse que não... Eu não sei se ele conhecia ou não. Eu não me lembro do depoimento do Ernesto, então não posso falar. Não sei se o Ernesto conhecia ou não o Pieruccini.
Na denúncia, há o registro de uma ligação entre os telefones do Ernesto e do Pieruccini.
Mas eu não sei te falar. Aí ele teria que responder.
A defesa da senhora tem alegado que as delações do Paulo Roberto Costa e do Alberto Youssef são contraditórias. Eles estão mentindo? Qual seria o propósito disso?
O Paulo Roberto Costa falou sobre muita gente, vários senadores, vários deputados. Ele foi falando. Até para justificar o que ele fazia de errado na Petrobras. Tentar dizer que ele fazia aquilo para servir aos outros e ele poder ficar no cargo. Então eu acho que ele estava querendo se defender. Se ele tivesse tanta certeza do que tinha acontecido, ele não entraria em contradição com o Alberto Youssef.
E o Youssef apresentou umas seis ou sete versões diferentes sobre a entrega do dinheiro para a minha campanha. E, no final, ele pega o sócio dele, que é o Pieruccini, para fazer uma delação com o mesmo advogado que fez a delação dele, o Antonio Figueiredo Basto. Então ele, o próprio advogado, foi ajustando as delações, para que não tivesse furo. Porque se as delações têm furo, o delator tem prejuízo no seu acordo. Isso é muito grave. Estamos preparando uma representação sobre isso. Alguém tem que fazer alguma coisa. Não é possível que um advogado só faça a delação de vários delatores que estão no mesmo processo.
A senhora comentou [na terça-feira, 27] que não teve oportunidade de esclarecer os fatos aos investigadores. Desde a abertura do inquérito, em março de 2015, até agora, setembro de 2016, como foi o período? A senhora foi ouvida quantas vezes?
Uma vez só eu fui chamada, na Polícia Federal. E, assim, eu estou sofrendo com isso desde outubro de 2014, quando teve uma manchete no Estadão [jornal O Estado de S.Paulo] dizendo que eu recebi [o dinheiro]. Naquela matéria, eu já fui julgada e condenada. Porque a partir dali eu passei a ter recebido um dinheiro ilegal da Petrobras. Todas as versões, tudo que eu podia falar, nada era considerado. Todas as versões que ficaram foram as versões que eu tinha recebido. Quando começou o inquérito, eu já fui para o inquérito como uma pessoa que devia.
E aí o inquérito nessas condições. Eu fui ouvida uma vez. Em compensação, o Youssef e o Paulo Roberto Costa foram ouvidos três ou quatro vezes, foram colocados juntos. Era como se dissessem assim “vocês têm que dar veracidade ao que vocês estão falando”. Então, quando vai para a PGR, eu já vou como que condenada. O grupo do [Rodrigo] Janot tem feito petições fora do parâmetro jurídico. Se você pegar a minha denúncia, é uma denúncia de adjetivação. Ela é muito pesada, forçaram muito a mão. Não tem nenhuma prova fática. Nem esse negócio dos registros telefônicos, que você está falando. Tem discagem de um número para o outro, não a gravação da ligação [do conteúdo da conversa]. É uma loucura, é surreal. Em condições de normalidade política e institucional, o STF não aceitaria essa denúncia.
Mas acredita na absolvição?
Eu acredito. Até com base no que o próprio Teori [Zavascki] concluiu, dizendo que não tinha certeza se os fatos ocorreram. Mas, como tinha uma dúvida razoável, ele iria optar por receber a denúncia. Num julgamento, eles não podem me condenar por dúvida razoável. Não existe isso no Direito.
O que a senhora achou da proposta que circulou na Câmara dos Deputados para “anistiar” aqueles que praticaram “caixa dois”?
É uma coisa inusitada. Porque estamos sendo criminalizados por “caixa um”, pelo caixa oficial, né? O que é toda a Operação Lava Jato? Dizem que a arrecadação de campanha do PT – e eles têm dificuldade de dizer dos outros partidos, que foi o mesmo método – é fruto de propina. Então, o tesoureiro do PT, o [João] Vaccari [Neto], está preso por conta disso. Porque arrecadou dinheiro por caixa oficial para as campanhas do PT. Então criminalizaram o “caixa um” e estavam querendo descriminalizar o “caixa dois”? É estranho. Além do mais eu estou com um processo no STF com base em “caixa dois”. As coisas não fecham. Não tem razão de ser a proposta.
A senhora agora se tornou ré no STF. Isso de alguma maneira a constrange no exercício do mandato?
Eu venho sendo constrangida desde 2014. O fato de tornar-me ré não piora nesse constrangimento. E o fato de eu estar respondendo um processo não quer dizer que eu seja condenada. Eu acho até que agora é uma oportunidade para eu poder esclarecer e ter o benefício da dúvida. Já que o Teori [Zavascki] foi a primeira autoridade nesse processo a dizer que não tem certeza dos fatos. Porque tanto a Polícia Federal se diz certa como o Ministério Público Federal se diz certo. Então eu vou ser investigada. Continuo de cabeça erguida, não devo nada, não fiz coisa errada, não participei de roubo da Petrobras, e vou fazer o meu mandato aqui e vou provar minha inocência.
E o impacto disso junto ao eleitorado? A senhora teve uma votação expressiva para entrar aqui no Senado, há seis anos. A senhora acha que hoje teria dificuldade para se reeleger?
Hoje qualquer pessoa do PT está com dificuldade de se reeleger. Tem uma campanha sistemática de criminalização do partido. Tanto que estão querendo fazer valer a tese de que é uma organização criminosa para cassar o registro do partido. Como se o PT fosse o único partido que tivesse utilizado doações de campanha dessas empresas que também estão sendo criminalizadas. Então obviamente que o impacto político-eleitoral para as candidaturas do PT é grande, não tenho dúvida. Mas daí dizer que o PT acabou, que não elege mais ninguém, que é impossível recuperar, é uma distância muito longa.
A senhora tem participado diretamente de campanhas de aliados, agora nas eleições municipais?
Tenho, fui para o Paraná. Participei de atividades com o Tadeu [Veneri, candidato do PT à Prefeitura de Curitiba], participei de atividades no interior. Não tenho problema nenhum.
A senhora acha que o fim do financiamento privado para as campanhas eleitorais foi algo positivo?
Foi um primeiro passo, mas, do jeito que está o sistema político, ele não é suficiente para a gente impedir situações de “caixa dois”...
Pode até impulsionar [o “caixa dois”], como alguns acreditam?
Não. Acho que essa campanha já foi feita com mais restrição. Mas não tenho dúvida que precisamos ainda de uma abrangente reforma política no País.
Quais seriam os pontos principais dessa reforma política?
Penso que a votação em lista partidária. A unificação do processo eleitoral. A ampliação do mandato para não ter reeleição. Isso tudo é fundamental... E eu defendo o financiamento público e exclusivo de campanha. Cada partido vai ter seu quinhão, você vai fazer campanha com isso. Portanto, você sabe se aquele partido vai gastar mais ou menos. Vai ficar expresso. Se você tem R$ 200 mil, obviamente você não pode ter um programa de televisão que custou R$ 1 milhão. É a melhor forma. Porque senão fica esse jogo de financiamento privado e depois as empresas querem se ressarcir do financiamento que fazem.
Agora quando é que isso passaria aqui no Congresso Nacional?
Não passaria. Porque quem se elegeu por essas normas dificilmente vai querer mudar essas normas. Acho que precisaríamos de uma constituinte exclusiva para isso, focada nisso.
Os investigadores da Lava Jato falam que é preciso “limpar” a corrupção na política. O que a senhora espera da Lava Jato?
Eu esperava e espero que eles atuem na legalidade. Não pode ter um regime de exceção por uma operação como essa. Senão ela deixa de ter justificativa. E eles não estão atuando na legalidade. Infelizmente eles estão comprometendo o que eles querem fazer. Eles não são justiceiros. Para eles poderem atingir o objetivo deles, eles têm que respeitar o Estado Democrático de Direito.
A senhora acha que eles mudaram de comportamento ao longo aí da operação, que já vem desde o início de 2014?
Eles começaram a operação, foram ganhando força e foram mudando de comportamento. As operações de condução coercitiva, por exemplo, se baseiam em quê? Por que fizeram aquilo com o ex-presidente Lula? O que eles ganharam fazendo aquilo, a não ser o desgaste político e público da figura do ex-presidente Lula? Tudo que o Lula falou ele poderia ter falado se tivessem chamado para depor.
Assim como fizeram com a prisão do Paulo [Bernardo]. Uma prisão preventiva depois de um ano e meio do processo aberto? Vai prevenir o quê? Fazer busca e apreensão na minha casa depois de um ano e meio? E prendê-lo? Qual era o risco que ele estava dando à ordem pública? Levar meus filhos na escola? Cozinhar em casa?
O que foi aquela pirotecnia, na denúncia contra o Lula, do Deltan Dallagnol [coordenador da força-tarefa da Lava Jato no âmbito do Ministério Público Federal do Paraná], que se considera o mais iluminado para fazer o justiçamento e a purificação? Vamos voltar ao tempo da Inquisição, quando a Igreja também queria purificar a sociedade e queimar as bruxas? Entrar num processo como esse achando que você tem a razão e a verdade absoluta é muito perigoso.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”