Levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou que o governo federal executou apenas 65% dos investimentos em infraestrutura de transporte previstos entre 2003 e 2014. Na prática, para cada dois anos que o governo trabalha para tocar os projetos, fica mais um parado. O descompasso entre os valores autorizados no orçamento e os realizados mostra, na avaliação de especialistas, que o problema do baixo investimento em infraestrutura no país não é apenas a falta de dinheiro, mas também a capacidade de gastar bem, o que evidencia uma ineficiência na gestão pública dos recursos.

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Entre 2003 e 2014, o montante autorizado no orçamento federal e nos orçamentos das estatais controladas pela União para investimento em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos somou R$ 206,7 bilhões. Mas apenas R$ 135 bilhões foram executados. Consideram-se realizados aqueles investimentos que estão sob as rubricas “pagos” e “restos a pagar pagos”. Ou seja, aquilo que foi pago no ano previsto e as sobras que foram executadas nos anos seguintes devido a atrasos.

As perspectivas para 2015 e 2016 não são animadoras. Além da dificuldade de execução orçamentária, o país enfrenta um cenário de ajuste fiscal, que tende a se refletir em corte de investimentos. Nas projeções do especialista em infraestrutura do Ipea Carlos Campos Neto, autor do levantamento, os investimentos públicos em transporte devem ficar em R$ 11,6 bilhões em 2015 e R$ 12,10 bilhões em 2016, abaixo do patamar dos últimos três anos.

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Portos têm o pior desempenho: 46,4%

Entre os problemas que explicam a baixa execução de investimentos estão desde a má qualidade dos projetos e a politização dos órgãos executores até a burocracia imposta pela lei de licitações (Lei 8.666) e a demora na liberação de licenças ambientais. Há ainda a falta de estrutura da máquina pública, que não se modernizou após 20 anos de investimento público praticamente nulo em logística.

“O que os números mostram é que o baixo investimento em infraestrutura não ocorreu por falta de dinheiro. O que houve foi uma ineficiência da gestão pública dos recursos”, diz Campos Neto.

Entre os quatro modais, o portuário foi o que apresentou pior desempenho: 46,39% de execução orçamentária no período. Os setores rodoviário e ferroviário executaram 69% e o aeroportuário, 59%.

“As companhias Docas são dominadas por interesses políticos. Têm dívidas trabalhistas que acabam sequestrando recursos e ainda enfrentaram um congelamento de tarifas no passado recente”, explica Claudio Frischtak , da Inter.B.

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A Secretaria de Portos, à qual estão ligadas as companhias Docas, informou que está modernizando a gestão dos terminais, adotando “boas práticas recomendadas pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa” e que atrelou parte da remuneração da diretoria ao cumprimento de metas, na tentativa de melhorar o desempenho do segmento.

Apesar da baixa execução orçamentária, percebe-se aparente melhora ao longo do tempo. Segundo Campos, os 12 anos de que tratam o estudo podem ser divididos em três períodos: pré-PAC, PAC 1 e PAC 2. O primeiro período (2003-2006) caracteriza-se por baixo investimento e baixa execução (54%).

No segundo, há crescimento da economia brasileira e do comércio internacional, bem como aumento da renda e da arrecadação. Os investimentos públicos em transporte crescem e algumas iniciativas são tomadas para agilizar o processo decisório. Entre elas, a mudança da responsabilidade legal dos pareceres do Ibama dos técnicos para a diretoria. Antes, muitos técnicos “sentavam em cima” dos pareceres temendo problemas na Justiça. No período de 2007, quando o PAC 1 foi lançado no governo Lula, a 2010, o percentual de execução foi de 61%.

Finalmente, no terceiro período, entre 2011 — quando são iniciados os investimentos do PAC 2 — e 2014, percebe-se uma queda, seguida de estagnação dos investimentos públicos em transporte. O percentual de execução, porém, sobe para 69%.

Paulo Fleury, do Ilos, frisa que uma maior execução do orçamento não significa melhora na qualidade dos investimentos. Os especialistas são unânimes em afirmar que o principal problema são os projetos malfeitos em que se baseiam as licitações. É comum que os processos de compra sejam feitos com projetos básicos, sem detalhamento de engenharia para orçar a obra.

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“Aí vem a jogada das empreiteiras: apresentam preços baixos nas licitações e fazem aditivos que oneram a obra, alegando que não foram previstos tais e tais detalhes. É um escândalo”, diz Fleury.

Obra mais cara, pedágio maior

Os atrasos no cronograma, devido à demora nas licenças ou brigas na Justiça, também elevam os desembolsos. Obras mais caras significam tarifas mais altas de pedágio. Se as empresas gastam mais com transporte, cobram mais pelo produto. Assim, o país perde em competitividade, pois tem dificuldade de inserção no mercado internacional. E o consumidor paga mais caro pelo bem que compra.

O índice de desempenho logístico do Banco Mundial dá uma ideia de como a má gestão dos recursos pesa no ranking de eficiência logística. Em 2012, o Brasil ocupava a 45ª posição entre 155 nações. Em 2014, o país caiu para o 65º lugar entre 160 na lista. Outros países em desenvolvimento caíram, mas o recuo brasileiro foi maior. A África do Sul saiu da 23ª para 34ª posição. A Índia recuou da 46ª para a 54ª. O índice leva em conta itens como qualidade da infraestrutura e cumprimento de prazos.

“Caminhamos para uma economia que só vive o dia a dia, não pensa no longo prazo. O Brasil precisa crescer para incluir pessoas na economia. Isso passa pela eficiência de investimentos”, diz Eduardo Padilha, especialista em infraestrutura do Insper.

Um exemplo de ineficiência citado pelos especialistas é a ferrovia Norte-Sul. Concebida no governo José Sarney (1985-1990), só saiu do papel quando incluída no PAC, em 2007. Até então, apenas 215 quilômetros haviam sido construídos pela Valec, autarquia ligada ao Ministério dos Transportes. Vinte e sete anos depois de sua concepção, a ferrovia tem menos da metade da extensão construída: 1.574 quilômetros de um total de 4.787 mil. O orçamento, revisado várias vezes, está em R$ 25,8 bilhões. Politização da autarquia e escândalos de corrupção são citados como entraves. O Ministério dos Transportes disse que “durante o processo de estabilização econômica, o andamento das obras da ferrovia se deu em ritmo lento” e que a partir de 2003 houve o plano de revitalização das ferrovias, com a inclusão da Norte-Sul no PAC.

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Em nota, o Ministério do Planejamento informou que “a dinâmica da carteira de investimentos públicos segue o fluxo de execução de obras que podem estar sujeitas a todo tipo de interferência (condições climáticas, embargos licitatórios, licenças ambientais, entraves jurídicos).” Frisou que o percentual empenhado para investimentos em transporte entre 2003 e 2014 foi de 78%, “o que demonstra que parte dessa autorização pode ter sido contingenciada”. O empenho é a segunda fase no processo de execução orçamentária. Ocorre quando um órgão solicita os serviços que serão executados.

País tem que investir quatro vezes mais

Para o ministério, o percentual de execução do PAC cresceu ano a ano, chegando a 92,9% em 2014, último ano do PAC 2 e último ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff. Para a especialista em contas públicas do Ibre/FGV Vilma Pinto, o alto percentual mascara situação comum na esfera pública.

“Os atrasos geram realocação do valor orçado para frente. Isso ocorre no fim dos mandatos, quando os governantes correm para entregar as obras”, diz.

Juntando recursos públicos e privados, o Brasil investiu R$ 30,5 bilhões em infraestrutura de transporte em 2014, ou 0,6% do PIB. Países como Rússia, China e Colômbia investem, em média, 3,4% do PIB. Para Campos Neto, o Brasil teria que quadruplicar o nível investido para eliminar os gargalos.

“Após a redemocratização, o país ficou quase sem investir. Primeiro, não tinha dinheiro. Depois, houve mudança de filosofia, na qual o Estado tinha que investir o mínimo. O PAC foi uma tentativa de retomar investimentos públicos em infraestrutura, mas a máquina não se modernizou”.

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