Por anos, a rotina de Ronaldo da Silva consistia em se embebedar até desmaiar em alguma calçada. Hoje ele passa os dias orando e cantando com centenas de fiéis na Igreja Universal do Reino de Deus em Carapicuíba, nos arredores de São Paulo, onde se vêem igrejas pentecostais em quase cada esquina.
"Eu provavelmente estaria morto ou na prisão se não fosse pela igreja", disse Silva, um ex-católico de 38 anos que afirma que Deus o curou da epilepsia e o ajudou a arrumar sua vida depois de ele ter se convertido, há uma década.
Conversões como a de Silva são cada vez mais comuns no Brasil, onde a expansão das igrejas evangélicas está erodindo aos poucos a supremacia da Igreja Católica.
A tendência existe em toda a América Latina e representa um grande desafio para o papa Bento 16, que chega ao Brasil na próxima quarta-feira para uma estada de cinco dias.
Embora o Brasil ainda seja o país com o maior número absoluto de católicos no mundo, cerca de 125 milhões, sua proporção caiu rapidamente nas últimas três décadas. Essa queda, no entanto, segundo pesquisa divulgada nesta semana, parece estar se mantendo estável.
Quando o papa João Paulo 2º veio ao Brasil em 1980, 89 por cento dos brasileiros se consideravam católicos. Em 2000, a proporção de católicos na população tinha caído para 73,89 por cento e, segundo o estudo recente da Fundação Getúlio Vargas, a porcentagem se estabilizou em 2003, com a taxa em 73,79 por cento.
O número de protestantes evangélicos quase triplicou no mesmo período, chegando a 31 milhões em 2003, o que representa cerca de 18 por cento da população.
Esse crescimento, que deve continuar, está alterando drasticamente o panorama religioso de um país cuja identidade confunde-se com o catolicismo desde a chegada dos portugueses, há mais de 500 anos.
"A face do cristianismo no Brasil, e em todo o mundo desenvolvido, é cada vez mais pentecostal", disse Luis Lugo, diretor do Fórum Pew sobre a Religião e a Vida Pública, um grupo de pesquisas com sede em Washington.
Massificação
Os pentecostais não são os únicos evangélicos do Brasil. Também estão presentes igrejas presbiterianas e luteranas, mas o pentecostalismo é sem dúvida o braço do protestantismo que mais cresce.
Mais que todos os cristãos, os pentecostais acreditam que Deus, através do Espírito Santo, tem grande influência no dia-a-dia. Eles pertencem a denominações como a Assembléia de Deus e a Igreja Universal, que nasceu no Rio de Janeiro em 1977 e hoje tem mais de 2 milhões de integrantes.
O pentecostalismo é especialmente forte nas áreas mais pobres, onde a precariedade das condições de vida motiva as pessoas a buscar intervenção divina. Muitos convertidos também são atraídos pela música e liturgia dinâmica dos cultos, mais sintonizados com o gosto contemporâneo que a tradicional missa católica.
Na Igreja Universal de Carapicuíba, o culto da noite de sábado às vezes se parece mais com um salão de baile que com um templo religioso, com os fiéis agitando os braços e cantando em coro. Alguns, como o ex-alcoólatra Silva, choram convulsivamente enquanto agradecem a Deus.
"A linguagem dos evangélicos é simples, direta, com o mínimo de teologia, o que a torna facilmente compreensível pelas massas", disse Silvia Fernandes, socióloga da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris).
Os evangélicos também têm força política. Cerca de 10 por cento dos congressistas são evangélicos, atuando como uma influente facção no Congresso. Três dos últimos quatro governadores do Rio eram protestantes, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cortejou de forma agressiva o voto evangélico na campanha pela reeleição, no ano passado.
A Igreja Católica, que também está perdendo seguidores para o secularismo, respondeu ao boom pentecostal adotando algumas características dessas igrejas.
Na Renovação Carismática, algumas igrejas católicas passaram a usar práticas bem parecidas com as dos cultos. Seu maior expoente é o padre Marcelo Rossi, que de professor de aeróbica transformou-se em pop star da religião, vendendo milhões de CDs e até participando de um filme.
Por enquanto, porém, o movimento não conseguiu reverter a tendência evangélica - tendência que os líderes católicos admitem ser preocupante.
"Não vou dizer que ficamos felizes quando os fiéis deixam a igreja", disse o novo arcebispo de São Paulo, Odilo Scherer, numa entrevista recente. "Talvez nossos métodos sejam inadequados."
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