A anotação "Last Act - Bribery" em tinta azul sobre o papel pardo envelopava o capítulo final da história reescrita do mensalão. Na véspera do 1.º turno da eleição, o relator Joaquim Barbosa rechaçou a versão de que o pagamento de deputados federais no primeiro governo Lula era uma operação de caixa 2 para pagar dívidas de campanha. Barbosa condenou o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu por corrupção ativa. O voto, que trazia uma teatral identificação em inglês - "Último ato - suborno" -, era obra de um homem com uma história múltipla.
Quando convenceu os colegas do Supremo Tribunal Federal a levar a julgamento os envolvidos no mensalão, em 2007, Barbosa explicou numa entrevista ao Estado que elaborava seus votos como se costurasse uma "historinha", com "simplicidade", "clareza" e "objetividade". Nessa quase novela, montada a partir de tópicos, o "clímax" era o núcleo político. Cinco anos depois, o contador da história, atualmente com 58 anos, virou o protagonista da narrativa escrita pela opinião pública e pelas ruas.
Barbosa chegou ao tribunal por uma situação semelhante ao sistema das cotas. Lula tinha três vagas e decidiu que uma seria reservada a um negro, outra a um nordestino - Ayres Britto - e uma terceira a um paulista - Cezar Peluso. Vários currículos chegaram às mãos do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Até o deputado Vicentinho se candidatou. Ao ler o currículo de Barbosa, Bastos viu que a formação acadêmica dele era invejável, mesmo para os padrões do STF. Barbosa tinha feito doutorado na França e estudos de língua nos EUA, na Áustria, na Inglaterra e na Alemanha.
A rede de apoio a Lula e ao PT vibrou com a escolha, em 2003, do "primeiro negro" para o STF, ignorando a controvérsia sobre o "mulato" Pedro Lessa, que atuou no tribunal de 1907 a 1921. Agora, no julgamento, partiu para o ataque contra o "autoritarismo" do ministro, que passou a ser descrito como alguém que condenava "sem provas".
Por sua vez, tucanos e defensores da condenação dos réus do mensalão passaram a ignorar as polêmicas do passado envolvendo Barbosa no STF. Em 2009, ele foi criticado quando disse ao ministro Gilmar Mendes: "V. Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com os seus capangas no Mato Grosso".
Ao chegar ao Supremo, o ministro herdou um grande acervo de processos deixado pelo ministro Moreira Alves. O problema foi agravado com a relatoria do mensalão, a grande história que se dispôs a contar. Mesmo assim, em 2009, Barbosa foi o segundo ministro com mais processos julgados. No ano passado, ele mostrava pessimismo com o mensalão. Achava que os colegas absolveriam figuras centrais.
No mensalão, Barbosa fez o que quis. Na reunião que definiu o cronograma do julgamento, ficou acertado que levaria quatro sessões para ler o seu voto. Na hora, não revelou claramente que dividiria o julgamento em "fatias". Chegou a mencionar que seu voto seria como na denúncia, mas não disse que julgaria um item e, depois de todos os ministros votarem, começaria a julgar outro. Ele sabia que essa era a forma de manter o controle sobre o processo e contar de forma simples e didática a história do mensalão. Já na história que construiu para si, Barbosa sempre foi um personagem mais complexo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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