O julgamento de processos que causam preocupação no centro do poder político estadual e que têm grande repercussão no Paraná, caso das ações penais das operações Voldemort e Publicano, não mudou nada na vida do juiz da 3ª Vara Criminal de Londrina, Juliano Nanuncio. Pelo contrário, ele tenta trabalhar num ambiente de normalidade. “Todos os dias nós julgamos, condenamos e absolvemos inúmeros casos e isso evidentemente não chega ao conhecimento da mídia, da sociedade. A não ser das pessoas que estão diretamente ligadas [aos processos], mas isso é uma coisa que acontece todos os dias, em todas as comarcas, com todos os juízes”, explicou Nanuncio, que recebeu a Gazeta do Povo em seu gabinete, em Londrina, na última quarta-feira.
A explicação sintetiza a forma como Nanuncio trata os dois casos para os quais recebeu uma designação especial do Tribunal de Justiça (TJ-PR) para julgar com exclusividade – o Tribunal nomeou uma juíza substituta para cuidar dos outros processos da 3ª Vara Criminal de Londrina. “Pode ser uma causa desconhecida ou de repercussão nacional. Você precisa ter o mesmo tipo de atitude, ou seja decidir conforme a sua consciência mas fundamentalmente de acordo com as provas que foram juntadas”, explicou o magistrado. “Não é porque há uma repercussão que será julgado de outra maneira. Isso seria um absurdo total”, completou.
“Pode ser uma causa desconhecida ou de repercussão nacional. Você precisa ter o mesmo tipo de atitude, ou seja decidir conforme a sua consciência mas fundamentalmente de acordo com as provas que foram juntadas”
Julgamentos na esfera penal de políticos ou de pessoas próximas a grupos políticos que estão no exercício do poder são uma novidade no Brasil. E uma novidade que lançou alguns juízes para o centro da arena pública, ainda que involuntariamente. São os casos do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, que foi o relator do mensalão do PT, em 2012, e de Sérgio Moro, da Justiça Federal, que está à frente da Lava Jato. Como Moro, Nanuncio também se formou em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), embora não tenham sido contemporâneos.
Em cerca de uma hora de entrevista, Nanuncio demonstrou discrição e cautela. Foi cuidadoso para evitar os riscos de uma “fama” inesperada e indesejada por conta da repercussão dos processos que está julgando. “O juiz não busca isso”, afirmou sobre a “fama” repentina adquirida involuntariamente por alguns magistrados por conta desses casos rumorosos.
Ele admite que ações como as da Operação Publicano fogem à normalidade. A começar pelo aspecto técnico. “Não é comum um processo criminal com mais de 50 réus, por exemplo. Se formos verificar estatisticamente, é bem raro ver um processo com cento e tantos acusados”. O outro aspecto que dá notoriedade a casos como os que estão sob a responsabilidade de Nanuncio – e aos juízes que o julgam –, é que no Brasil, historicamente, os processos penais atingem, na grande maioria dos casos, as pessoas menos favorecidas. “Quando você observa que qualquer pessoa de fato, todas as pessoas, estão sujeitas à lei e isso passa a ser observado concretamente num pais em que você tem uma cultura justamente de que parece que crimes organizados ou os chamados crimes colarinho branco passam ao léu da Justiça, isso chama justamente a atenção da sociedade”, pontua o juiz.
Nanuncio rejeita algumas ideias, como a de que juízes se tornem “celebridades” ou de que esteja ditando regras e dando “receitas”. “Não gosto de falar de receita porque parece que estou dando um conselho”, refuta. Mas a receita dele para lidar com a repentina notoriedade dos magistrados é a discrição. “O juiz precisa tomar muito cuidado com isso, porque uma das suas principais obrigações é a da imparcialidade”, explica.
Ele cumpre a própria receita ao pé da letra. Não tem perfil em rede social, mais por temperamento do que pelo fato de ser juiz. “Mas também eu se eu quisesse ter, pensaria duas vezes”. E justifica: “o juiz demonstra uma posição politica na internet, depois cai um julgamento sobre algo que envolve aquele partido. Ele pode até ser imparcial, mas ele não vai parecer imparcial. Ninguém vai acreditar na imparcialidade dele”.
A discrição e o cuidado tanto com a imparcialidade, quanto com a ideia de não se tornar uma “celebridade” é levada a sério por ele. Nanuncio tem uma biblioteca em casa, mas é difícil obter uma indicação do que ele lê. “Citar livros? Eu fico com receio de citar alguma coisa assim. Parece que isso é uma pergunta para uma pessoa que não é juiz. Parece meio celebridade. Me parece uma coisa um pouco pretensiosa da minha parte: ‘ah eu estou lendo isso’. Eu não gostaria disso porque justamente para não cair naquela de achar que eu sou algo mais que um juiz. Eu sou um juiz e leio sim, mas isso não está dentro da minha profissão, meio que cair numa armadilha, de cair numa celebrização. O juiz não pode”, finaliza.
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- Londrina
- Fábio Silveira, especial para a Gazeta do Povo
O juiz Juliano Nanuncio nasceu em Jandaia do Sul, tem 36 anos de idade e 12 de magistratura. Formou-se com láurea acadêmica e fez pós-graduação em Direito Processual Penal pelo Instituto de Direito Penal Económico e Europeu – IDPEE, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Portugal. Foi juiz substituto em Pato Branco, atuou em Chopinzinho, Coronel Vivida, Alto Piquiri, Francisco Beltrão, Colorado, Cascavel e está à frente da 3ª Vara Criminal de Londrina desde 2010.
Desde julho do ano passado ele recebeu a designação para atuar exclusivamente nas ações penais de dois casos investigados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco): as operações Voldemort e Publicano.
Na Voldemort, o Ministério Público denunciou seis pessoas sob a acusação de fraude numa licitação do Departamento de Transportes (Deto), órgão da Secretaria Estadual de Administração e Previdência (Seap), cujo objetivo era contratar uma oficina para fazer a manutenção da frota do Estado na região de Londrina. Os principais acusados são o empresário Luiz Abi Antoun, parente do governador Beto Richa (PSDB) e o ex-diretor do Deto, Ernâni Delicato. Segundo a denúncia, a oficina que venceu a licitação para um contrato emergencial de seis meses pertenceria a Abi, que seria o beneficiário da suposta fraude. Ele nega a acusação. Falta apenas o interrogatório de Delicato, que será feito em Curitiba, por carta precatória, para encerrar a fase de instrução e o processo entrar na fase final. Há possibilidade de a sentença sair ainda no primeiro semestre deste ano.
Na Publicano, que já teve quatro fases, são quatro ações penais, com mais de 250 denunciados. A ação referente à primeira fase é a que está mais adiantada: entre fevereiro e abril foram ouvidas testemunhas de defesa e acusação e interrogados 50 réus. Outros 23 réus que não moram em Londrina serão ouvidos em suas cidades, por cartas precatórias.
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