Resposta
Trecho do comunicado enviado à imprensa pela direção do aplicativo Secret
Não concordamos com a decisão do Tribunal de Vitoria que exige que a Apple e o Google removam de suas lojas de aplicativos e desativem todos os downloads anteriores do Secret para todos os usuários do Brasil. Apoiamos as muitas partes envolvidas na luta contra esta liminar que irá restringir a liberdade de expressão dos cidadãos brasileiros.
Estamos empenhados em proporcionar um ambiente seguro para a expressão responsável, expandindo rapidamente nossa capacidade e infraestrutura de remover conteúdo impróprio, quando sinalizado por nossa comunidade. Além disso, estamos investindo em tecnologia automatizada e da inteligência humana que nos permitirá reconhecer melhor e remover tal conteúdo antes de ser publicado.
(...)
Secret está disponível para colaborar com as autoridades brasileiras na remoção de conteúdos ilegais especificamente identificadas por ordem judicial, de acordo com as leis existentes no país e os procedimentos e obrigações legais do aplicativo.
Decisão judicial reforça a vedação ao anonimato
Uma decisão de São Paulo também abordou a situação do aplicativo Secret e reforçou a proibição do anonimato, não só para saber a quem responsabilizar, mas para "incutir nas pessoas o necessário senso de responsabilidade acerca do conteúdo de suas manifestações, aliás tão olvidado em tempos de internet, de modo a se buscar evitar imputações temerárias, divulgação irresponsável de informações ofensivas à honra de terceiros, ataques pessoais gratuitos, acusações falsas", conforme definiu o magistrado Roberto Luiz Corcioli Filho.
Contudo o pedido do autor da ação, Bruno Henrique de Freitas Machado, que teve sua foto nua divulgada acompanhada de comentários ofensivos no Secret e requereu a exclusão do aplicativo das lojas virtuais, não foi acolhido pelo juiz, que considerou a questão uma tutela de interesse difuso para a qual Machado não teria legitimidade.
Aplicativo Secret: entre a liberdade de expressão e a vedação ao anonimato
O conflito entre liberdade de expressão e direitos de personalidade ganhou novos contornos no mundo digital recentemente. Os responsáveis pelo embate são os aplicativos Secret e Lulu, que acabaram sendo suspensos por decisões judiciais pelo fato de seus usuários terem ofendido outras pessoas, ampliando, assim, o debate sobre o assunto.
A liberdade de expressão com vedação expressa ao anonimato prevista na Constituição Federal foi o que motivou a suspensão do Secret, que vinha causando burburinho entre jovens. Isso porque o anonimato é a essência desse aplicativo, desenhado para evitar que terceiros possam descobrir quem fez cada afirmação ali publicada. Dessa forma, qualquer indivíduo pode declarar o que quiser sobre outra pessoa sem se preocupar em comprovar a veracidade do que alega. Um ambiente propício para a prática de crimes contra a honra injúria, calúnia e difamação.
O Secret tem em seu site recomendações sobre comportamentos que devem ser evitados no uso do aplicativo, como a indicação para que o usuário não poste ameaças, discursos de ódio, informações particulares de outros e pornografia. A prática do bullying também é recriminada pela empresa. Mas nada disso impediu que tais atos fossem praticados dentro do ambiente da ferramenta.
A decisão da 5.ª Vara Cível de Vitória (ES) que ordenou a retirada dos aplicativos Secret e Cryptic (que tem as mesmas funções do Secret, mas que está disponível apenas para usuários de Windows Phone) das lojas on-line foi pautada na vedação do anonimato prevista no artigo 5.º, IV, da Constituição Federal (é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato). "É flagrante o potencial lesivo dos aplicativos Secret e o seu similar Cryptic, já que não só permitem como incentivam compartilhamento de frases e fotos sem que haja identificação de quem postou, havendo possibilidade, ainda, de destacar os segredos mais curtidos, incrementando eventual lesão", concluiu o juiz de direito Paulo César de Carvalho.
A constatação de que a liberdade de expressão não é um direito absoluto foi embasada na concepção de que a liberdade deve ser acompanhada de responsabilidade. O magistrado entendeu que, além de poder servir para a responsabilização do usuário por eventuais abusos de direito cometidos, a identificação seria útil para que se possa interpretar de maneira mais completa o conteúdo da mensagem.
Precaução
Mesmo com uma interpretação literal do texto constitucional, o gestor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio, Luiz Fernando Moncau, considera que a proibição por via judicial pode não ter sido a medida mais adequada. "Jogar para a ilegalidade um aplicativo é proibir toda uma tecnologia, com seus usos ilícitos e também os lícitos", destaca Moncau.
Além disso, há interpretações desse dispositivo constitucional que são mais flexíveis e entendem que o anonimato só deve ser proibido quando for utilizado para prática de ilícitos. "O próprio governo incentiva, através de denúncias anônimas de crimes, por exemplo, que não haja a identificação do indivíduo", explica o professor de direito penal da PUC-PR Daniel Laufer.
Lulu foi acusado de violar direitos da personalidade
No ano passado, o aplicativo Lulu também foi alvo de várias ações judiciais. O app era voltado a mulheres que queriam avaliar as características físicas de homens, através de comentários expressos por hashtags.
Em sentença proferida pela 2.ª Vara do Juizado Especial Cível de Vergueiro, de 21/07/2014, na cidade de São Paulo, o magistrado considerou que não houve violação ao direito de imagem, porque a fotografia do autor da ação já estava no Facebook. Ele também não vislumbrou ofensa à honra, porque as hashtags de cunho negativo (como #nãoquernadacomnada ou #shouldcomewithwarning) não teriam potencial para lesar a honra, nem no aspecto subjetivo nem no objetivo. Como não foi presenciada violação à intimidade, de acordo como o juiz, nenhuma ofensa de direito da personalidade foi percebida. "O autor teve aborrecimentos na relação mantida com as requeridas. Mas esses aborrecimentos não são indenizáveis. O mero ato ilícito não é capaz de ensejar lesão a direito da personalidade. É preciso algo mais, que não restou configurado in casu", argumentou o juiz de direito Henrique Vergueiro Loureiro.
O professor da FGV Direito Rio Luiz Fernando Moncau considera que a sustentação para que o aplicativo Lulu permanecesse no ar era frágil juridicamente. "Ao permitir que pessoas que nunca houvessem concordado com a exposição fossem criticadas, a única saída dos que desejavam sair [da esfera de avaliação] era recorrer à Justiça. Se os avaliados tivessem criado seu perfil voluntariamente, haveria mais condições de sustentar a validade do aplicativo", explica Moncau.
Uma decisão concedida em sede de liminar do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios também relativa ao aplicativo Lulu confirmou a importância da atuação do Ministério Público para a defesa dos direitos dos internautas. "Não há de se falar de ilegitimidade do Ministério Público. A um, porque dentre as suas atribuições constitucionais de Defensor Del Pueblo, está a proteção dos interesses coletivos e individuais indisponíveis. A dois, porque o processo civil moderno exige que, sempre que possível, seja dado preferência ao tratamento coletivo aos direitos individuais homogêneos", sustentou a desembargadora Ana Cantarino.
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