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Nada pode ser mais atual e palpitante que a indigitada “delação premiada”, mormente após os exageros praticados na conhecida “operação lava-jato”, a qual a comunidade jurídica internacional está acompanhando estarrecida. A ausência de manifestação de vontade livre e consciente de delatores encarcerados, pressuposto básico de validade desse instituto, tem caracterizado a enxurrada de delações no Brasil.

Na verdade, o uso indiscriminado, abusivo e profundamente deturpado da delação premiada, na “Operação Lava Jato”, deixa incrédulos os operadores jurídicos americanos, a despeito da absoluta discricionariedade de que goza o Ministério Público daquele país, algo inocorrente no sistema brasileiro. Frise-se que o Ministério Público norte-americano tem absoluta disponibilidade da ação penal pública, ao passo que, no Brasil, a ação penal pública é absolutamente indisponível, ou seja, o Ministério Público brasileiro não tem o direito e nem poder de dispor dela livremente.

Qual é, afinal, o fundamento ético legitimador do oferecimento de tal premiação? Convém destacar que, para efeito da delação premiada, n ão se questiona a motivação do delator, sendo irrelevante que tenha sido por arrependimento, vingança, ódio, infidelidade ou apenas por uma avaliação calculista, antiética e infiel do traidor-delator. Quando se constata que em uma única “operação” mais de 65 “delações premiadas” já ocorreram, alguma coisa não vai bem! Todos querem ser delatores! Delação premiada virou baixaria, ato de vingança, utima ratio de denunciados. Enfim, os ditos delatores dizem qualquer coisa que interesse aos investigadores para beneficiarem-se das “benesses dos acusadores”, os quais passaram a dispor, sem limites, da ação penal que é indisponível!.

Por outro lado, um requisito, fundamento ou elemento indispensável para a validade e legitimidade do “acordo delatório”, qual seja, a liberdade e voluntariedade de celebrar “delação premiada” não está presente em todas as delações feitas por “delatores” presos, encarcerados, amedrontados, e psicológica e fisicamente fragilizados. Trata-se, a rigor, de uma refinada tortura psicológica, pois os investigados, presos preventivamente na carceragem da Polícia Federal, já sem forças e sem esperanças, e vendo resultados favoráveis de outros delatores, acabam “decidindo” também delatar alguém para minimizar sua condenação certa. Não se sabe, até agora, se sobrará alguém sem a pecha de delator na referida operação.

Em outros termos, para a validade de qualquer delação ou colaboração premiada, é absolutamente imprescindível que decorra da manifestação de vontade livre e consciente do acusado. Com efeito, a liberdade e voluntariedade fundantes da manifestação de vontade do investigado/acusado são mais que requisitos, são verdadeiros pressupostos de validade da “transação penal” (delação). Nesse sentido, destaca Marcos Paulo Dutra Santos , referindo-se ao sistema norte americano, em seu belíssimo livro sobre “Delação (colaboração) premiada”, verbis: “A Regra Federal nº 11, (b), (2) preconiza que o Juízo apenas aceita a declaração de culpa ou de não contestação após certificar a voluntariedade, isto é, deve resultar da manifestação livre de vontade do acusado, e não de eventuais ameaças, violências ou promessas falsas, absolutamente estranhas à proposta de acordo. Para tanto, é indispensável que o juiz indague pessoalmente o imputado em audiência – open court” (no prelo, item nº 2.1.3.1)”.

Poder-se-á chamar de “justiça negocial” ou acordo espontâneo, como exige nosso texto legal, a “opção pela colaboração premiada, após o cidadão estar encarcerado por longo período – quando já exaurido, deprimido, esgotado e desprotegido, pressionado pelas “misérias do cárcere” (Carnelutti) “aceita” dedurar seus comparsas, aliás, como acontece na cognominada “Operação Lava Jato”? Pode-se sustentar a legitimidade da deslealdade legal, como “favor legal” ao delator, nessas circunstâncias? Mesmo naquelas que “os negociadores do estado”, ao contrário do que ocorre com a Lava Jato, não impõem renúncia a direitos e garantias asseguradas na Constituição Federal como cláusulas pétreas?

Questões como essas exigem séria e profunda reflexão, desapaixonada, para sabermos quais os limites éticos, morais, religiosos e até legais que nossas autoridades podem lançar mão para exercerem licitamente suas funções.

Cezar Roberto Bitencourt, advogado criminalista radicado em Brasília, doutor em direito penal.

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