Recém publicada, a Medida Provisória (MP) 685 já traz debates e questionamento jurídicos sobre a sua aplicação. A MP institui o programa para redução de litígios, com a finalidade de aumentar a arrecadação federal. Em resumo, concede benefícios para empresas litigantes ou com débitos tributários com a Fazenda Nacional, para que utilizem créditos de prejuízos fiscais e de base negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para o pagamento das dívidas.
No entanto, como toda medida editada pelo governo que prevê aumento da arrecadação, a MP também trouxe “novidade” negativa e o contribuinte que faz operações de planejamento tributário deverá ter ainda mais cautela.
A norma estabelece a obrigação da empresa/contribuinte de informar à Administração Tributária Federal as operações ou atos jurídicos que resultem em supressão, redução ou diferimento de tributo. Na prática, o contribuinte será punido caso não declare até 30 de setembro de cada ano o conjunto de ações executadas no planejamento tributário. Ademais, o valor da multa imposta para a penalidade é de 150%.
Não é surpresa a tentativa do governo federal de controlar esse tipo de operação, há alguns anos a Receita Federal vem intensificando a fiscalização nesse sentido, principalmente aquelas que geram ágio. A prática do planejamento tributário é permitida pela legislação e as corporações que realizam reestruturação organizacional, fusão ou aquisição podem descontar da base de cálculo do Imposto de Renda o valor pago a mais no negócio, tendo como justificativa a expectativa de rentabilidade futura.
A MP, ao obrigar o contribuinte a declarar todas as operações, além de controlar a livre iniciativa individual e empresarial, pressupõe que o contribuinte assumiu conduta criminosa, suprimindo a presunção de inocência. O próprio texto faz referência que, ao omitir a comunicação desse tipo de procedimento, o contribuinte assume conduta dolosa com intuito de sonegação ou fraude.
O artigo a que se refere tipifica como crime contra a ordem tributária a conduta omissiva realizada antes mesmo de qualquer lançamento. Essa questão também contraria a Súmula Vinculante 24, do Supremo Tribunal Federal (STF), a qual basicamente especifica que antes do tributo ser lançado em definitivo não se pode considerar crime material a falta de pagamento do imposto.
Conforme previsto na MP, não são todas as práticas com o intuito de conferir maior eficiência tributária que deverão ser declaradas. No texto foram destacadas as ações que envolvam atos ou negócios jurídicos praticados sem razões extrafiscais relevantes, forma não usual ou aquelas que tratarem de atos ou negócios jurídicos específicos previstos em ato da Receita Federal. A partir disso, pode se afirmar que somente planejamentos tributários abusivos deverão ser declarados. Contudo, essa classificação é completamente subjetiva e não existe nenhuma definição legal sobre esses critérios.
Não se pode perder de vista que, hoje, um dos custos mais pesados para a sociedade empresarial é o tributário, chegando a até 30% do faturamento em alguns setores. Nesse contexto, toda organização realizada com o objetivo de reduzir custos e aumentar lucros é positiva para a sustentabilidade dos negócios. Combater o planejamento tributário enquadrando todo o contribuinte como fraudador fere seus direitos constitucionais, além de ser uma prática centralizadora que não contribui em nada para o avanço social e econômico.
O resultado dessa norma será mais um empecilho burocrático e autoritário a ser enfrentado pelas empresas brasileiras. Afinal, todo tipo de operação com o objetivo de tentar reduzir a carga tributária, mesmo que realizada de maneira lícita, terá que ser previamente submetida ao Fisco. E há de se verificar que esse controle também reprime a ordem econômica e infringe o principio constitucional de valor social da livre iniciativa.
É imprescindível que, antes de editar uma Medida Provisória, os mecanismos de Direito Tributário sejam analisados para estarem em acordo com a Constituição, sem onerar a sociedade e o Estado. Ainda mais quando se trata de matéria tão complexa como a tributária. Normas como essas apenas contribuem para aumentar a insegurança jurídica e o litígio.
Além disso, vale lembrar que, em muitos casos, a Receita Federal não consegue fiscalizar de maneira eficiente e acaba por generalizar situações e, como consequência, prejudica empresas que mantêm condutas éticas e lícitas. Basta verificar nos tribunais a quantidade de contestações direcionadas às atuações do Fisco ou a regulamentações mal formuladas, cujo objetivo é arrecadar mais impostos. Certamente, essa MP também será questionada, caso não seja regulamentada de forma objetiva e transparente.
Como o tema ainda aguarda regulamentação, a solução seria a abertura de consulta pública para que especialistas da área opinem e exponham críticas. Em último caso, ainda existe a possibilidade de levar o debate ao Congresso Nacional.
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