Em meio aos escândalos de corrupção na esfera federal e também na estadual, espera-se que a Lei Anticorrupção (12.846/2013), finalmente regulamentada este ano – parte por pressão popular –, seja devidamente aplicada para que os culpados não saiam ilesos das denúncias. A história política brasileira demonstra os inúmeros e escancarados casos de corrupção, que são permeados por um sistema ineficiente de punição e de tolerância enraizada.
A Lei trouxe uma mudança de perspectiva no combate aos crimes contra a administração pública. Porém, não apresentou novidades ou condutas diferentes das previstas no Código Penal. Apenas complementou o Direito Penal e a responsabilidade da pessoa física pelo Direito Administrativo e a responsabilização objetiva da pessoa jurídica, mesmo que o caráter criminal não seja afastado do debate. O objetivo da regulamentação é punir a empresa que é favorável à atitude ilícita, mas não excluir a responsabilidade individual de dirigentes ou administradores.
Anteriormente, o empregado que cometesse conduta desonesta responderia por crime de corrupção ativa, fraude à licitação, entre outros delitos, e a empresa poderia, em tese, responder por improbidade administrativa, se tivesse benefícios com o ato. Com a nova lei, a companhia poderá ser punida independentemente da efetiva concordância com a infração.
A medida, que faz parte do pacote anticorrupção do Governo Federal, imputou à pessoa jurídica responsabilidades pelo combate à corrupção, por meio de investimentos em programas e ferramentas de compliance, prevendo o treinamento de funcionário e de diretores. Certamente, esse é um dos diferenciais da norma, pois o envolvimento de qualquer nível da empresa em caso de corrupção é passível de multas altas.
As penalidades previstas para as empresas que comprovadamente financiarem, custearem, patrocinarem ou, de qualquer modo, subvencionarem a prática de atos ilícitos, como o pagamento de subornos a agentes públicos para a obtenção de vantagens, podem variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao Processo Administrativo de Responsabilização (PAR). O valor também pode ser limitado entre R$ 6 mil e R$ 60 milhões, caso não seja possível usar o faturamento bruto para o cálculo da multa.
Além disso, a lei dispõe sobre uma série de mecanismos para a recuperação do patrimônio público, a maioria das penalidades é de caráter punitivo e indenizatório.
Neste aspecto, a Controladoria-Geral da União (CGU) terá papel fundamental para instaurar, apurar e julgar atos lesivos praticados contra a Administração Pública, bem como será responsável por examinar a regularidade do processo administrativo. Inclusive, após a publicação do decreto, a CGU reformulou o sistema Pró-ética, uma espécie de selo concedido às empresas comprometidas com a ética, para se adequar as especificações da norma.
Outro ponto que trouxe bastante debate ao tema foi a inclusão do acordo de leniência. O acordo tem como característica o reconhecimento da pessoa jurídica na participação da infração e a colaboração nas investigações, identificando envolvidos, apresentando documentos que comprovem a infração, além de reparar integralmente o dano causado.
Nesse sentido, muitos especialistas discordam do acordo, pois isentará a empresa da sanção de publicação extraordinária da decisão condenatória, bem como de proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas. De certa forma, a anistia pode isentar quem deveria ser punido. Entretanto, vale lembrar que o acordo já tem previsão na Lei de Defesa da Concorrência (12.529/2011), que estipula medidas similares as adotadas na Lei Anticorrupção, em casos de fraudes.
Com relação às sanções judiciais, a norma também prevê a possibilidade de perda dos bens, direitos ou valores, suspensão ou interdição parcial das atividades da empresa e dissolução compulsória da pessoa jurídica. No entanto, esses efeitos e a atenuação de multas não são obrigatórios, visto que o Decreto prevê que o acordo de leniência poderá conter determinados efeitos da Lei.
A norma deve servir de base aos estados e municípios para o estabelecimento de regulamentações próprias. Em linhas gerais, o texto esclareceu pontos que precisavam ser normatizados, complementou previsões antigas já constantes da Lei de Licitações (8.666/1993), trazendo, porém, mais concretude a determinadas punições lá previstas – que muitas vezes se demonstravam ineficazes.
Apesar de a lei ter trazido mais segurança jurídica ao tema e fazer com que as empresas adotem mecanismos para evitar fraudes, ainda é preciso mudar a cultura brasileira de que é mais fácil infringir as regras. E, acima de tudo, reconquistar um valor há muito tempo perdido: a honestidade.
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