Corrupção é, inequivocamente, tema do momento. Segundo pesquisa recente do Instituto Datafolha, ela representa hoje o maior problema do Brasil para 22% dos entrevistados. Ao lado da saúde, é o tema mais citado. Há quatro anos, não constava sequer entre os cinco primeiros temas, atrás, portanto, de problemas como desemprego e fome. Com as manifestações de 2013 e 2015, o julgamento do mensalão, os novos escândalos em nível federal e estadual e, em especial, a Operação Lava Jato, a percepção popular mudou radicalmente.
No âmbito legislativo, a grande novidade foi a chamada Lei Anticorrupção, em vigor há pouco mais de um ano. Sua discussão no Congresso Nacional iniciou-se antes dos eventos mais recentes citados acima, mas sua aprovação foi claramente apressada em virtude deles. Até algumas semanas atrás, sua existência tinha importância acadêmica. Discutiu-se sua estrutura, publicaram-se livros e artigos, mas não se teve notícia de processos administrativos ocorridos com base nela. Essa situação altera-se com a publicação do Decreto 8.420, que regulamenta a lei em nível federal.
É possível questionar-se o porquê da demora de mais de um ano na regulamentação da lei. O estado do Paraná, por outro lado, apressou-se em regulamentá-la, já no ano passado, mas o fez apenas para determinar a competência da Controladoria-Geral do Estado do Paraná para conduzir processos administrativos. O decreto federal é mais minucioso e esclarecedor. Em especial, é de grande valia para as pessoas jurídicas, destinatárias da lei, pois lhes permite finalmente tomar conhecimento sobre como programas de integridade (a serem implantados antes da instauração do processo) e acordos de leniência (a serem firmados após início do processo) podem auxiliá-las a reduzir as penalidades que lhes podem ser aplicadas.
E por que isso é importante? Não bastaria deixar de praticar as condutas sancionadas pela Lei Anticorrupção? Claramente a resposta é não! Afinal, o princípio básico da nova legislação – e é exatamente nesse aspecto que ela é inovadora – é o fato de que as pessoas jurídicas respondem pelos atos de terceiros, desde que tais atos tenham sido praticados em seu interesse ou benefício, ainda que não exclusivo.
Em outras palavras, os atos de empregados, diretores ou conselheiros, mas igualmente os atos de agentes externos (despachantes, advogados, representantes, parceiros, contratados) podem levar à responsabilidade da pessoa jurídica, sem que esta possa alegar que não os instruiu para agir dessa maneira ou que estes agiram em interesse próprio. Essa responsabilidade justifica-se em virtude do próprio risco da atividade e das condições que a empresa tem de prevenir-se quanto às ações de seus agentes internos e externos.
A essa prevenção a Lei Anticorrupção dá o nome de programa de integridade, o que equivale, no jargão empresarial, às chamadas regras de compliance. O decreto regulamentador, de forma original, define um padrão para esses programas, os quais na realidade já existem em grandes empresas, sobretudo em multinacionais sujeitas a outras legislações.
Nesse sentido, o programa de integridade é indicado como causa atenuante no cálculo da multa a ser aplicada pela autoridade. Esta, que pode chegar a até 20% do faturamento bruto da pessoa jurídica, pode ser reduzida em até quatro pontos percentuais em virtude da existência e aplicação de um programa de integridade. Supondo-se, como é razoável, que as circunstâncias do caso levem a estabelecimento prévio da multa em 10%, a existência do programa de integridade efetivamente aplicado pode levar a uma redução de 40% desse valor. Nenhuma outra causa atenuante prevista no decreto pode reduzir a multa de forma tão considerável.
Objetivamente o programa será avaliado através de fatores como a existência e aplicação de códigos de conduta e de ética, de treinamentos e análise de riscos periódicos, de registros contábeis apropriados, de procedimentos internos específicos para coibir fraudes em licitações e transações com o setor público; o comprometimento da alta direção para com essas regras; a aplicação efetiva das sanções previstas de instâncias independentes para a aplicação do programa e de canais de denúncias; procedimentos para a pronta interrupção de irregularidades, de diligências para contratação e controle em processos de reestruturação da empresa, bem como a transparência quanto a doações de campanha. Empresas de pequeno porte e microempresas, por outro lado, sujeitam-se a padrões de compliance um pouco mais simplificados, mas ainda assim deverão atender boa parte das exigências citadas acima.
Mesmo que efetivamente incorporado na cultura da empresa, o compliance não afasta uma eventual punição da empresa, mas contribui consideravelmente para a redução da penalidade. Mais importante: um programa de integridade pode ser o diferencial para prevenir a prática de condutas ilícitas, pois garante o controle e consciência prévios. As empresas que levarem esse aspecto a sério e incorporarem essas práticas darão um grande passo para que seu nome não conste, em breve, das páginas e seções policiais.
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