“Temos Advogado!”, é o título de alguns emails que chegam a minha caixa de entrada no mês de Setembro, fim do verão em Portugal. Refere-se ao fim do processo para ingresso na Ordem dos Advogados Portugueses, com a aprovação da prova oral. Perante uma banca de três membros da Ordem, o candidato tem que discorrer sobre um caso concreto com tratamento doutrinário e/ou jurisprudencial controverso, preferencialmente de que tenha tido conhecimento ao longo do seu processo de estágio. A aprovação é compartilhada entre os colegas de escritório que acompanharam o longo caminho que o advogado estagiário teve que percorrer até o derradeiro dia da aprovação na prova oral.
Diferentemente do Brasil, em que o estagiário é o jovem estudante de graduação (muitos ainda do primeiro ano da faculdade), em Portugal, o “advogado estagiário” só inicia o estágio após a formatura no curso de Direito, sob a supervisão de um patrono.
O procedimento de ingresso na Ordem dos Advogados Portugueses consiste em um estágio profissional de dois anos, com uma fase inicial de seis meses e uma fase complementar de dezoito meses. A passagem à fase complementar ocorre após a aprovação em provas escritas sobre direito processual civil, penal, deontologia e direitos fundamentais. Já na fase complementar do estágio o advogado estagiário tem de apresentar cópias de intervenções jurídicas (petições, recursos, pareceres) e de realizar uma prova escrita e outra oral, quando finalmente, após a aprovação em todas as fases, a inscrição na Ordem é deferida.
A Ordem dos Advogados Portugueses, por um Tratado de Reciprocidade, admite o ingresso de advogados brasileiros devidamente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil.
Quando minha inscrição foi deferida em Portugal, muitos colegas portugueses perguntaram-me como era o procedimento no Brasil. Expliquei que no Brasil tive que fazer, logo após a graduação, um exame de duas fases em provas escritas. E que o meu período de estágio iniciou no primeiro ano da faculdade.
São diferenças que não pretendo comparar, pois ambos os processos guardam peculiaridades relacionadas aos sistemas jurídicos e culturais em que estão inseridos. No entanto, são diferenças que exemplificam um ponto importante: a necessidade de debate pelo melhor sistema de ingresso na carreira (e não pela eliminação dele).
Trago este breve contexto apenas para dizer que, quando ouço propostas e discussões que pretendem simplesmente abolir o Exame da Ordem na Brasil, permitindo que o bacharel em Direito exerça advocacia sem qualquer condição, fico sensivelmente preocupada.
Apesar de o Supremo Tribunal Federal já ter declarado que o Exame da Ordem é constitucional existem seis (seis!) projetos de lei que ainda insistem em tentar eliminar o exame como condição para ingresso na carreira.
A justificativa é que o Exame da Ordem, para além de ter provas exigentes demais, faria uma reserva de mercado e impediria o livre acesso à profissão. Uma discussão que infelizmente peca pela falta de lucidez.
O curso de Direito forma bacharéis em Direito, não Advogados. A advocacia é mais uma dentre inúmeras carreiras jurídicas. E quem escolhe uma carreira deve o fazer ciente de suas condições e responsabilidades.
O ensino jurídico do Brasil vive um processo delicado de expansão. Segundo dados do Ministério da Educação, em 1995 tínhamos 165 Faculdades de Direito em todo o país. 20 anos depois, temos mais de 1300 cursos autorizados.
O aumento do número de cursos de Direito é uma realidade em inúmeros países e um dos grandes motivos sobre o debate para o melhor sistema de ingresso na carreira de Advogado.
A Argentina, país em que não há exame, tem começado a discutir a necessidade de sua implementação. A França tem um sistema rigoroso com exames e estágio obrigatório e um (criticado) limite de apenas três tentativas de aprovação.
O Exame da Ordem vem como uma tentativa de filtro e aferição da qualidade da imensa quantidade de candidatos a advogados. O debate que se faz necessário – e que cada país vem enfrentando - é pelo melhor sistema de ingresso: que tipo de provas, matérias, questões, a relevância da prática.
Defender a ausência de qualquer critério, com a mera eliminação do Exame da Ordem, mais do que um discurso infeliz e irrazoável, é ignorar o papel essencial do advogado na defesa dos direitos de toda a sociedade e colocar em risco a boa administração da justiça.
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