Se a legislação vigente, durante séculos, restringiu atos de autonomia da mulher, mais que justificada sempre esteve a violência (em regra, praticada por homens) como forma de contraposição a eventuais descumprimentos de tal ordem estabelecida. Assim, inicia-se, apenas nas últimas décadas, discussão normativa sobre o reconhecimento, a coibição e o apenamento da violência de gênero.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará, adotada pela OEA em 1994, define violência contra a mulher como: “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. O conceito de violência em razão do gênero foi incluído no art. 5º da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). Contudo, a mudança legislativa, por si só, não altera o fenômeno cultural.
Não por outro motivo, apesar dos diversos mecanismos previstos na referida elogiável lei, segundo o “Mapa da Violência 2015- Homicídio de Mulheres”, o Brasil ocupa o quinto lugar no mundo em número de mortes violentas de mulheres.
Urge uma mudança de mentalidade não somente da sociedade que pratica a violência, como também dos operadores do Direito que ainda não compreendem a necessidade de se privilegiar a proteção da mulher e somente argumentam que os mecanismos processuais penais previstos na Lei Maria da Penha ferem princípios constitucionais, sendo exemplar o princípio do contraditório.
Nesse sentido, tentam desautorizar a aplicação das medidas protetivas de urgência, previstas no art. 22 da Lei 11.340/2006, alegando injustiça no cerceamento de direitos do agressor, que não é previamente ouvido, bem como o expresso descumprimento do recentemente modificado art. 282 do Código de Processo Penal, relativo aos procedimentos cautelares.
Ora, primeiramente, há que se dizer que o posicionamento de autores de renome, tais como a promotora de justiça Valeria Scarance, bem como de diversos julgados, inclusive do STJ (REsp nº 1.419.421-GO, Rel.Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 11/02/2014) é o de que as medidas protetivas de urgência não possuem a natureza jurídica de medida cautelar, e sim, caráter autônomo visando à cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor. Ademais, mesmo a parcela dos juristas que defende o caráter acessório das medidas protetivas não pode afirmar como ausente o momento de se estabelecer o contraditório, ainda que de forma diferida, para manutenção ou não da medida.
Independentemente da posição adotada, é certo que, logo que notificado, o suspeito sempre poderá comparecer perante o Poder Judiciário e, em exercício de suas garantias processuais do contraditório e ampla defesa, submeter ao Juiz a sua versão dos fatos, produzir as provas que julgar necessárias e, eventualmente, obter uma decisão modificativa daquela primeira, que, por sua natureza liminar, pode ser revista a qualquer tempo pelo magistrado.
A possibilidade de deferimento imediato das medidas de protetivas, antes de ser ouvido o suposto ofensor (nos exatos termos do art. 22 da Lei Maria da Penha) constitui imperativo de celeridade reclamado pela gravidade das situações enfrentadas, sendo evidente sua eficiência no combate à violência de gênero e mortes violentas de mulheres.
Em termos legislativos, as medidas protetivas de urgência – nomenclatura empregada pela Lei Maria da Penha (lei especial) – consubstanciam justamente a excepcional situação de urgência prevista pelo artigo 282, 3º do Código de Processo Penal (norma geral).
Nesse sentido, cabe ser ressaltado o índice de 0% de novas ocorrências de agressões nos casos em que, a partir da concessão judicial de medida protetiva de urgência, houve o monitoramento de seu cumprimento pela patrulha Maria da Penha, na cidade de Curitiba, durante os anos de 2014 e 2015 (http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/patrulha-maria-da-penha-apresenta-resultados-ao-judiciario/37825).
Não há dúvidas de que, subordinar a análise do requerimento de medidas protetivas à realização bem sucedida de (i) identificação, (ii) localização, (iii) intimação e (iv) inquirição do agressor, incrementaria, ainda mais, o risco a que submetidas as vítimas de violência doméstica. Não é por outra razão que a Lei Maria da Penha impõe prazos bastante curtos ao atendimento da ocorrência pela Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário.
Situações diferenciadas demandam tratamento diferenciado, e os números atuais do Mapa da Violência não deixam qualquer dúvida acerca da gravidade da situação que se está a enfrentar.
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