Vem ganhando espaço no meio jurídico a hipótese de o devedor escusar-se de cumprir o contrato ao argumento de que estaria ele contaminado por propina. O tema naturalmente se insere no contexto e por causa das investigações Lava Jato.
O devedor da relação contratual de compra e venda não se isenta de cumprir a prestação pelo fato de o credor ter sido condenado por homicídio, por exemplo. Todavia, a bem-vinda clivagem imposta pela Lava Jato aos standards negociais brasileiros desafia a conclusão. Vive-se um inédito momento ético dos negócios, o que faz a comunidade jurídica considerar o relaxamento das regras contratuais em favor de um propagado bem comum. E o que a Lava Jato tem revelado são contratos fundados na oportunidade e na conveniência da Administração Pública em celebrá-los; contratos legítimos, necessários ao desenvolvimento do país, mas que têm parcela dos valores pagos (por fora), o que configura a propina. Diante de tal constatação coloca-se em xeque o pagamento dos valores (por dentro), legitimamente devidos, ensejando uma exceção contratual, aqui denominada de exceção de corrupção.
Os impactos econômicos de uma postura sistêmica pelo uso da exceção são nefastos, pois colocam em xeque a liquidez dos contratos, as obras e serviços em execução e a própria solvência do credor. Por isso, não se pode fazer juízo de censura raso e inconsequente de tal exceção, à luz do clamor popular, sob pena de se colocar em risco obras e serviços essenciais, trabalhadores e empresas. Em oposição, impõe-se um olhar técnico-jurídico sobre os efeitos do contrato investigado, mesmo em tempos de ruptura de paradigmas ético-negociais.
A exceção aqui aventada seria peremptória, a qual impediria, modificaria ou extinguiria a pretensão de o credor exigir o pagamento. Uma vez aceita, implicaria a improcedência total ou parcial do pleito de cobrança e a exoneração devedor. O Direito ensina que se exonera o devedor de pagar quando verificadas impossibilidades jurídicas e econômicas, como o caso fortuito, a força maior e a onerosidade excessiva. Atos culposos do credor também exoneram o devedor de cumprir a obrigação. No cenário da culpa do credor, podem as partes convencionar cláusulas éticas, anticorrupção, responsabilizando-se o contratante e a sua cadeia de fornecedores. Essa seria uma legítima hipótese de exceção de pagamento, por descumprimento ético, mas que depende de cláusulas desenhadas para este fim. Contudo, nada dispõe a lei sobre a corrupção como impossibilidade de pagamento, ante a imoralidade da hipótese que transcende uma ilicitude civil que se possa admitir a priori.
A ilicitude sugere o cruzamento entre esferas criminal e civil, a conceber uma potencial exceção contratual decorrente de conduta tipificada como crime. Entretanto, lembre-se que um juiz criminal tem competências diversas de um juiz civil e que o ilícito de corrupção apurado não significa o descumprimento do contrato, de per si, por parte do condenado-credor. Com efeito, aceitar a investigação e mesmo a condenação criminal para suspender pagamentos, por parte do juiz civil, importaria dupla condenação, bis in idem. Certo que a jurisdição é una e são inadmissíveis decisões judiciais contraditórias, razão pela qual a sentença criminal faz coisa julgada no civil, quanto ao ato ilícito e a autoria. Porém, o fato de o credor ter sido condenado na esfera criminal não impõe o descumprimento contratual, sendo o descumprimento obrigacional do credor o único que interessa para justificar eventual exce ção do devedor.
As mesmas ponderações são aplicáveis no processo arbitral, sendo inaceitável uma exceção de corrupção. Contudo, na arbitragem, não se verifica a necessária comunicação entre árbitro e juiz quando arguida a exceção de corrupção, por força da confidencialidade que a caracteriza. Em verdade, a lei de arbitragem impõe ao árbitro agir com discrição (art. 13, par. 6), sem que determine ao árbitro, às partes e aos funcionários da câmara o dever de sigilo, sendo ele decorrente dos regulamentos arbitrais (v.g. art. 11.2 da CAM-FIEP) e da autonomia dos litigantes, que contratam a arbitragem com graus distintos de confidencialidade. De fato, a confidencialidade é decadente na arbitragem, sendo a transparência a sua tendência (Lei 13.129/15 art. 2, par. 3), a qual impõe a publicidade para os procedimentos envolvendo o Estado. Ainda assim, a transparência não obsta efeitos econômicos do contrato, mesmo este suspeito ou contaminado pela corrupção e ainda que se entenda por correto a comunicação ao juiz ou Ministério Público.
Em conclusão, a condenação do credor em processo criminal sobre a corrupção não exime o devedor de cumprir as suas obrigações, a não ser que tenham as partes contratualmente disposto cláusulas éticas que a reprovem. Fora desse quadro, ao alegar a exceção de corrupção, expõe-se o próprio devedor às consequências que a sua mora der causa: penalidades contratuais, resolução do contrato, perdas e danos.
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