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Buscando atingir desejado equilíbrio de suas contas, o Governo Federal vai em busca de reforçar seu caixa. Dentre as diversas medidas para atingir este objetivo está a estruturação de um novo ciclo de concessões de atividades à iniciativa privada e, para fazer caixa com as concessões, é necessário utilizar o critério da maior outorga como elemento para julgar as propostas apresentadas pela iniciativa privada. Em termos simples, para capitalizar as contas públicas: terá direito de explorar o serviço aquele que pagar mais ao Governo por este direito. Eis o xis da questão: faz sentido utilizar esse critério?

Do ponto de vista das contas públicas (isto é, do Governo) é um ótimo negócio, pois injeta valores no caixa do Estado. Glicose pura na veia das contas públicas. Por outro lado, há outro efeito: as concessões tendem a reduzir os gastos alocados ao Estado, pois estes serão assumidos pela iniciativa privada. Reduz-se o custo da máquina pública.

Para quem ganha a licitação o modelo também é vantajoso. O valor de outorga será recuperado. Mais do que isso: o investimento será remunerado pela taxa de retorno do projeto, que é mais alta que as taxas médias de remuneração disponíveis no mercado. Logo, quanto mais o particular investir no projeto mais dinheiro vai receber ao final.

Note bem, até aqui, todos felizes. Mas falta ainda um personagem no cenário das concessões. Isso. Justamente ele: o usuário! Aquele que recebe o serviço e paga por tudo, no final por meio das tarifas que lhe são cobradas. E aqui já nem tudo é alegria.

Pensando no assunto me vem à lembrança o inocente jogo do mico preto que animava os dias de chuva na praia. Como não existe o tal do almoço grátis, o Governo cobra a outorga dos empresários que, por sua vez, repassarão os custos para os usuários. Neste jogo o resultado é certo: os usuários ficarão com o mico preto na mão. Em termos simples, os usuários pagarão pela outorga e pelo lucro do particular que investiu seu capital para tal.

A pergunta é: tal metodologia é passível de questionamentos à luz do direito. Mesmo prevista em lei (o art. 15, II da Lei 8.987/95 prevê a maior outorga como critério de julgamento), fato é que há bons argumentos para questionar essa metodologia.

A utilização do critério da maior outorga suscita dois problemas. O primeiro é mais evidente. Ele vai de encontro à modicidade tarifária que orienta os serviços públicos. Ao embutir um pagamento ao Poder Concedente que se assemelha ao pagamento de “luvas” pela cessão da atividade, tem-se uma tarifa mais cara para o usuário, o que prejudica o acesso aos referidos serviços. E uma das ideias centrais da gestão dos serviços públicos é o dever de o Poder Concedente exercer suas atribuições de modo a tornar a tarifa o mais acessível possível. A titularidade estatal serve para facilitar o acesso universal à atividade; não dificultá-lo.

O segundo problema é mais sutil, porém mais grave. O tema diz respeito à própria capacidade de o Estado captar valores junto à sociedade. O Estado se financia capturando para si parcela da riqueza gerada nas relações privadas. Ocorre que os limites desse processo são bem rígidos do ponto de vista jurídico. A Constituição impõe uma série de regras estritas para o Estado captar recursos junto à sociedade. São as chamadas “Limitações do Poder de Tributar”. Bem medidas as coisas, a utilização do critério da maior outorga implica uma burla às rígidas normas que estipulam limites para o Estado captar riqueza junto à iniciativa privada. Como indicado acima, o referido critério impõe um plus aos usuários - que nada diz com o custo do serviço – e configura inegável transferência de recursos da sociedade para o Estado sem lastro em qualquer decisão legal que a autorize.

Nada obstante o Governo tenha já sinalizado que utilizará o critério – e o fato de ele já ter sido usado no passado – não tem se visto maiores questionamentos acerca do tema. Aliás, em matéria de serviços concedidos usualmente costuma-se usar a lógica do kill the Messenger, imputando o custo tarifário à ganâncias dos empresários e não a más escolhas públicas. Contudo, depois de estipuladas as regras o custo de alterar as concessões é brutal. Se há discussões a fazer, é de todo necessário que elas antecedam a assinatura dos contratos, sob pena de se gerarem maiores inseguranças do ponto de vista jurídico (o que aliás, tende a aumentar o valor das tarifas, sabia?).

Arrematando, o que é importante ficar evidente é que utilizar o critério da maior outorga é uma maneira de captar recursos dos particulares à margem do sistema tributário e sem a necessidade de haver articulação direta com o Legislativo (e sem dizer que se está cobrando a conta da sociedade). O ponto a ser discutido é precisamente se a sociedade brasileira está disposta a financiar o Estado por essas vias e, mais ainda, se nosso Direito assim o permite. Pessoalmente, estou convencido que o critério ofende diversas garantias associadas à legalidade estrita associada ao financiamento do Estado.

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