O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6 milhões) e da Rússia (740.000). Estima-se que aproximadamente 574.000 pessoas estejam presas no país, dentre as quais 40% em caráter provisório. Segundo levantamento do Ministério da Justiça, em 21 anos (janeiro de 1992 a junho de 2013) o número de presos aumentou 403,5%, enquanto a população cresceu 36%.
Felizmente, a superlotação carcerária (perversa por suas condições sub-humanas e degradantes imanentes) tem paulatinamente recebido a atenção do Poder Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e o Ministério da Justiça, lançou em 06 de fevereiro passado um projeto intitulado “audiência de custódia” para garantir que presos em flagrante sejam apresentados a um juiz no prazo máximo de 24 horas. Trata-se da criação de uma estrutura multidisciplinar nos Tribunais de Justiça que receberá presos em flagrante para uma primeira análise sobre o cabimento e a necessidade de manutenção dessa prisão ou a imposição de medidas alternativas ao cárcere. “O juiz decide vendo a pessoa à sua frente e não com base em um amontoado de papéis dentro dos autos de um processo”, explicou o Ministro Ricardo Lewandowski, atual presidente do STF e do CNJ.
A iniciativa é um importante passo para a humanização do sistema prisional, especialmente quanto aos presos provisórios, cuja culpa ainda se discute. Além do viés humanístico, atende à garantia constitucional da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVII) e dá efetividade ao item 1, do art. 8º, do Pacto de São José da Costa Rica, que instituiu a Convenção Americana de Direitos Humanos (introduzido no plano do direito positivo interno pelo Decreto nº 678/92): “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.” O projeto será estendido aos demais estados, conforme acordo de cooperação técnica firmado em 08 de abril passado entre o CNJ e o Ministério da Justiça.
Na contramão, porém, dessa iniciativa de combate à cultura do encarceramento, tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993 para redução da maioridade penal para 16 anos (aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça em 31 de março). Uma das causas do confronto de orientações quanto à efetividade do cárcere talvez seja a maior ou menor importância dada ao enfoque pragmático da questão: a efetividade do aprisionamento para a redução da criminalidade. A visão quimérica do cárcere contrasta com o fato, inafastável, de que o sistema penitenciário brasileiro fomenta o crime, enquanto fator criminógeno (estatísticas revelam que o índice de reincidência entre presidiários supera os 80%). Há quem objete esse argumento com o raciocínio de que quem já aprendeu a matar não tem algo mais a aprender em matéria de crime. Além de esvaziar o princípio da dignidade humana, a base do Estado Democrático de Direito (pois embute a noção de inimigo, a quem o mal imposto pela pena é devido independentemente da função social do castigo e da emenda do infrator), esse pensamento contraria o item 5, do art. 5º, da Convenção Americana de Direitos Humanos, que enfatiza o caráter protetivo e socioeducativo da internação: “Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento.” A perspectiva constitucional, afinal, é de que a sociedade civil e o Estado se ocupem do reestabelecimento (ressocialização) do menor, em vez do mal pelo mal, puro e simples.
Se de um lado assemelha-se fantasioso banir a pena de prisão como resposta à delinquência, de outro, ampliá-la indiferente a medidas subsidiárias (como, por exemplo, o aumento do tempo do período de internação do menor infrator, a depender da gravidade do fato praticado e de seu histórico) parece retratar uma renúncia à razão, desde que se evita o enfrentamento de questões mais complexas, como políticas sociais, o vigor das instâncias de controle informais (família, escola, religião), assistência psicológica e oportunidades profissionais. A propósito, o governo do estado de São Paulo apresentou projeto de lei à Câmara dos Deputados, em fevereiro passado, de modificação da Lei 8.069/90 para ampliar o tempo de internação em instituições de ressocialização de 03 anos para 08 anos, nos casos de crimes mais graves, e criar o Regime Especial de Atendimento para separar os infratores que completarem 18 anos dos menores de idade dentro da instituição durante o período de internação. A Câmara dos Deputados, porém, preteriu essa proposta mais razoável que a PEC 171/1993.
O crime, enquanto fato social, nunca deixará de existir. Mas combatê-lo com uma medida eficaz na aparência e inflacionária na essência é autoengano. Segundo o Datafolha, 87% dos entrevistados são favoráveis à redução da maioridade penal. Porém, indaga-se se não se trata de um raciocínio metonímico, que consiste em tomar a parte pelo todo, ou o instrumento pela ação. A anuência sobre a redução da maioridade penal talvez não retrate o interesse real dos entrevistados de combate ao crime.
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