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É notório o uso excessivo da prisão cautelar no Brasil, bem como a necessidade de se criar mecanismos para evitar prisões desnecessárias. De acordo com o Infopen (Sistema de Informações Penitenciárias), faltam mais de 255 mil vagas no Sistema Penitenciário Brasileiro e, segundo o Banco Nacional de Mandados de Prisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ainda existem 434 mil mandados de prisão aguardando cumprimento no país. Num sistema totalmente sobrecarregado, incorpora-se a cada dia mais e mais presos cautelares, grande parte detida por crimes não violentos.

Recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Departamento de Política Penitenciária do Ministério da Justiça (Depen) mostra claramente o problema: 37,2% dos réus submetidos à prisão provisória não são condenados a pena privativa de liberdade ao final do processo. Isso representa em torno de 90 mil pessoas que não serão condenadas à prisão, quando julgadas, mas absolvidas ou condenadas a penas alternativas.

Jogando luz a esta discussão, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei (PLS) 554/2011, com o objetivo de estabelecer a obrigatoriedade de que o preso em flagrante seja apresentado ao juiz em até 24 horas, para que se verifique a legalidade e a real necessidade da prisão cautelar.

Paralelamente, projeto-piloto da chamada “audiência de custódia” foi lançado em São Paulo, em fevereiro, numa iniciativa do CNJ, em parceria com o Ministério da Justiça, Tribunal de Justiça e Governo paulistas. O projeto também objetiva garantir que, em até 24 horas, o preso em flagrante seja entrevistado pelo juiz, em audiência na qual sejam ouvidos Ministério Público, Defensoria Pública ou advogado do preso. O projeto-piloto vem sendo desenvolvido no Fórum da Barra Funda, para onde são encaminhados os autos de prisão em flagrante delito lavrados pela 1ª e pela 2ª Seccionais, que representam 15% das autuações em flagrante da capital paulista. Na audiência, o juiz analisa a prisão sob o aspecto da legalidade, necessidade e adequação, se é caso de concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares, assim como possível ocorrência de tortura, maus-tratos ou outras irregularidades. Na primeira semana de funcionamento do projeto, foram analisados 57 flagrantes, envolvendo 76 presos: 42% deles receberam alvarás de soltura.

Tanto o projeto de lei quanto o piloto da audiência de custódia estão em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (arts. 3, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 28) e com tratados internacionais editados há mais de 45 anos e ratificados pelo Brasil há 23 anos, que determinam a apresentação do preso à autoridade judicial “sem demora”, tais como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 9º, inc. 3), promulgado no Brasil pelo Decreto nº 592/92, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, inc. 5), promulgada pelo Decreto nº 678/92, ambos inseridos no sistema normativo brasileiro como norma infraconstitucional, mas supralegal.

Mesmo recebendo críticas de parcela dos operadores do Direito, a audiência de custódia representa um avanço em benefício de toda a sociedade. Não se trata de uma “proteção” ao suposto infrator, como dizem alguns, mas, por meio do incremento do sistema de proteção e garantias individuais, evitar a constrição de pessoas com baixa probabilidade de serem condenadas à prisão ao final do processo, contribuindo, assim, para o não agravamento da superlotação carcerária e dos demais problemas dela decorrentes, como a dificuldade no processo de ressocialização dos autores de crimes graves mantidos nas prisões.

A audiência pode representar, ainda, uma ótima oportunidade para aferir quem está sendo preso, assim outros dados objetivos relacionados às circunstâncias da prisão, para que se possa fazer um diagnóstico das prisões em flagrante no nosso país, pesquisa para a qual as universidades poderiam contribuir imensamente.

Além de ser um instrumento importante para verificação da legalidade e eventuais abusos policiais e servir de filtro da porta de entrada das prisões, evitando o encarceramento de autores de crimes não violentos que não precisem ser mantidos presos, a audiência de custódia também pode ser melhor estruturada e abarcar câmaras de mediação penal, para a solução mais rápida dos conflitos, de forma a minimizar o prejuízo da vítima e reduzir gastos do poder público (já que o custo de uma vaga no sistema penal é alto). Da mesma forma, a estrutura pode contar com Centrais de Assistência Social, para, por exemplo, promover o encaminhamento de dependentes de drogas, autuados por porte de pequenas quantidades. Também para agilizar o sistema, poderia ser estudada a inserção de crimes patrimoniais de caráter privado na competência dos Juizados Especiais Criminais.

É certo que vários pontos devem ser discutidos até que se chegue a um modelo mais adequado. A razoabilidade do prazo de 24 horas, por exemplo, pode ser avaliada, em caso da percepção de que possa comprometer a efetividade da iniciativa. No Paraná, o Tribunal de Justiça já compôs grupo de trabalho para estudar a possibilidade de implantação da audiência de custódia e as melhores formas de viabilização. De qualquer forma, como todo piloto, o projeto de São Paulo, do Paraná e de outros estados que venham a instalá-lo deve evoluir na prática para superar eventuais dificuldades. A iniciativa, no entanto, é louvável e digna de ser experimentada e aprimorada, até que se possa, enfim, implantar essa lógica nacionalmente, tendo como ponto de partida as capitais.

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