Há muito que intencionava escrever um artigo em que pudesse expor, brevemente, algumas poucas reflexões quanto ao impressionante poder da tributação, para solucionar problemas, para criá-los ou mesmo para incrementar os já existentes. “Para o bem e para o mal”, os tributos podem ser incrivelmente eficazes.
As dificuldades pelas quais passamos no Brasil, definitivamente, não são poucas e estão intrinsecamente relacionadas umas às outras: a) descontrole orçamentário; temos um país com dimensões continentais que não suporta os custos necessários à sua manutenção; b) gasto excessivo com pessoal em todos os âmbitos de governo; c) Poderes Legislativo e Judiciário entre os mais caros do mundo; d) sistema previdenciário falido, entre outros motivos, porque foi mal administrado. O modelo já foi bom, mas não se adequa mais à realidade, o que o levou ao déficit e, paradoxalmente, a causa de sua asfixia é o fato de que o brasileiro está vivendo mais, dependendo, portanto, por mais tempo, dos benefícios previdenciários.
Com vistas a solucionar o problema dos elevados custos públicos, foram, inclusive, propostas Emendas à Constituição Federal. Uma delas é a PEC 132/2015, que promove alteração no artigo 37, § 11º, ao estabelecer critérios para fixação do teto salarial do funcionalismo. Outra foi anunciada há alguns dias pelo Presidente da República em exercício, que proporá teto para os gastos públicos em geral, a vigorar por 20 anos, cujo limite deverá observar os índices inflacionários.
A ideia de teto para despesas públicas não é ruim, aliás é excelente, mas não é nova, já está na Constituição Federal e na Lei de Responsabilidade Fiscal, no entanto é cronicamente desrespeitada. Verdadeiramente ignorada. Será que, com novas alterações constitucionais, os limites que vierem a ser impostos serão efetivamente observados? Segundo anunciado pelo Ministério da Fazenda, se a despesa exceder o teto, serão aplicadas sanções, como a proibição de reajustes, de contratações e de realização de concursos, entre outras, o que de fato pode tornar efetivas as medidas, quem sabe...
A escassez de recursos públicos tem, entre incontáveis causas, a ineficiente utilização das receitas, da qual são exemplo, entre tantas outras, as pedaladas fiscais (“empréstimo” de dinheiro de bancos públicos para cobrir despesas governamentais), às quais agregam-se a ineficiência na arrecadação, os alarmantes índices de corrupção e desvios, tudo isso somado à estagnação econômica, queda de empregos e de arrecadação, e à alta da inflação (¬o que embora possa parecer bom, como consequência da crise econômica é ruim, porque é sinal de desaquecimento do consumo). As impagáveis dívidas Estaduais e Municipais para com a União e a alegada necessidade de sua renegociação, além das indevidas retenções de seus recursos, empreendidas pelo governo federal, compõem o desanimador rol de dificuldades pelas quais passamos.
Todos os problemas apontados, acrescidos do nefasto e elevado índice de desigualdade social, têm, na cobrança de tributos, ao mesmo tempo, uma de suas causas e a sua mais eficiente solução [1].
Os índices brasileiros de pobreza e pobreza extrema sempre foram inaceitáveis, mas, segundo apontam as pesquisas [2], o seu percentual, em relação à totalidade da população, regrediu entre 2012 e 2013, quando passou de 7,58 % para 3,63%. Em 2014, o referido percentual caiu outros 2,8%, além de terem ocorrido animadoras melhoras nos indicadores de acesso a educação, bens e serviços.
Lamentavelmente, o número de brasileiros em estado de pobreza e de pobreza extrema voltou a crescer, o que é, seguramente, mais um dos perversos reflexos da crise que acomete a economia nacional.
Embora os saldos positivos dos últimos anos, ainda somos um país com aproximadamente 14 milhões de famílias que dependem de subsídio estatal para sobreviver.
Diante de tal cenário, é possível afirmar que somos um Estado socialmente injusto e a injustiça social é um dos temas em relação ao qual a cobrança de tributos atua determinantemente “para o bem”, aliás, em nenhum outro tópico a tributação tem maior relevo do que naquele referente à redução da desigualdade social; contudo, para alcançar tal resultado, deve haver “vontade política”, efetiva e séria, constante de programa de governo claramente direcionado para alcançar tal finalidade, o que demanda um sistema cujos tributos impactem, com igual intensidade, “no bolso” dos menos e dos mais favorecidos economicamente, além de não alcançar, sob nenhuma hipótese, aqueles destituídos de aptidão financeira para pagá-los, pois os rendimentos que auferem são, quando muito, suficientes apenas para que tenham uma vida com dignidade.
Não é fácil corrigir um sistema já desvirtuado e inseri-lo “nos trilhos” da justiça social. Tal providência depende de tempo e demanda custos para o Estado e para a sociedade, mas precisa começar de algum ponto e em algum momento, o quanto antes, de preferência. As primeiras medidas precisam ser tomadas e, a partir delas, avançaremos em direção ao cumprimento das metas. De qualquer forma, é necessário começar ou, ao menos, desejar fazê-lo.
Ao longo da história, no Brasil e nos demais países democráticos, vários episódios demonstraram que os tributos podem ser utilizados “para o bem”, na redução da desigualdade social, no financiamento do Estado e das Instituições Democráticas e, “para o mal”, como instrumento de pressão e opressão.
Em razão da desaceleração da economia e de todas as distorções orçamentárias, estamos enfrentando dificuldades para fazer frente aos custos públicos apenas com o que já arrecadamos, situação que tem movido nossos gestores – observada a “dança das cadeiras” que estamos circunstancialmente vivendo – a propor a intensificação na cobrança de impostos.
Embora o incremento da tributação possa parecer uma solução “para o bem” do Estado e da sociedade, é nítido “o mal” que causará àqueles que estão sujeitos a uma carga tributária que já é quase “confiscatória”, sobretudo se considerado o fato de que, no Brasil, a cobrança de impostos está fortemente alicerçada na tributação indireta, o que faz com que mais e menos favorecidos economicamente suportem-na quase que com a mesma intensidade. Diante de tal característica, corriqueiramente se afirma que a tributação no Brasil é fortemente regressiva, pois aqui pagam mais tributos aqueles que têm menos aptidão financeira para fazê-lo, quando, em face dos níveis de desigualdade social, deveria ser o inverso.
Em princípio, a tributação deveria ser progressiva, ou seja, com alíquotas crescentes em relação à riqueza tributada. Particularmente, acreditamos que a progressividade pode não ser, no caso brasileiro, uma solução para a melhor distribuição da carga tributária e a redução da desigualdade social, pois, com ela, certamente será incrementada a complexidade e a onerosidade da tributação, que são, sabidamente, os maiores problemas do sistema tributário brasileiro. Todavia, é certo que se a progressividade pode não ser a solução, seguramente esta não reside na tributação regressiva.
Assim, o incremento da carga tributária para elevar os níveis de arrecadação e resolver os problemas momentâneos de caixa do Estado, não são, segundo pensamos, uma solução viável. A criação de novos impostos e o aumento dos que já estão sendo cobrados revelam, sem dúvidas, uma das hipóteses em que os tributos atuam mais “para o mal” do que propriamente “para o bem”.
Em definitivo, não é possível analisar a tributação, de forma ampla e abrangente, sem fazê-lo conjuntamente com conceitos próprios das ciências econômicas e das ciências políticas, pois, como exposto, o modelo tributário é sempre uma opção política, com repercussões diretas sobre o sistema econômico de um país.
Somos trabalhadores, esperançosos e com um poder de superação como poucos povos têm. Certamente, vamos suplantar as adversidades e sair fortalecidos da crise. Teremos, então, um Estado forte e amadurecido o bastante para proporcionar ainda mais igualdade de oportunidades e justiça social. Creio que, em breve, antes do esperado, ensinaremos a outras nações como superar crises tão ou mais profundas do que aquela que enfrentamos.
[1] Em face da estreita relação da crise econômica com as questões de índole orçamentária e tributária é que estamos realizando o VIII Congresso Internacional de Direito Tributário do Paraná (www.direitotributariodoparana.com.br), em que os temas serão abordados sistematicamente.
[2] Os resultados das mencionadas pesquisas não são uniformes quantos aos referidos percentuais, o que se deve à diversidade de metodologia empregada. No entanto, são uniformes, nos períodos apontados, quanto ao crescimento ou à redução dos níveis de pobreza.
*B etina Treiger Grupenmacher, advogada e professora de direito tributário da Universidade Federal do Paraná