Apontado como rigoroso – “de caneta pesada”, no jargão jurídico –, o juiz federal Sergio Moro faria “pouco estrago” caso suas decisões não fossem frequentemente mantidas pelas cortes superiores do Judiciário. Ele até poderia mandar prender, mas os tantos acusados que aguardam reclusos nas carceragens destinadas aos envolvidos na Operação Lava Jato, sujeitos a prisões preventivas, seriam rapidamente soltos se os advogados de defesa conseguissem convencer desembargadores e ministros de que as medidas eram abusivas ou desnecessárias.
A principal derrota
No final de novembro, os desembargadores do TRF4 foram responsáveis pela mais impactante reforma, até o momento, em uma decisão do juiz Sergio Moro. Eles já haviam revogado – parcial ou integralmente – algumas condenações de primeira instância. Mas o recente caso envolvendo dois executivos da empreiteira OAS não é uma reforma qualquer. A decisão dos desembargadores pela absolvição de Mateus Coutinho de Sá Oliveira e Fernando Stremel foi baseada em falta de provas – enquanto que a primeira instância alegava robustez de provas. Ambos chegaram a ficar muitos meses presos, preventivamente, e depois foram condenados por Moro: Oliveira a 11 anos em regime fechado e Stremel a quatro anos, convertidos em prestação de serviço à comunidade. Na análise do mesmo caso, contudo, os desembargadores aumentaram a pena que havia sido imposta por Moro a dois outros executivos da OAS. Leo Pinheiro e Agenor Franklin Martins tinham sido condenados a 16 anos e a 8ª turma decidiu que eles deveriam receber pena de 26 anos de prisão.
Um exemplo evidente é o do empreiteiro Marcelo Odebrecht, preso há quase um ano e meio. Algumas das mais renomadas assessorias jurídicas do Brasil tentaram reverter a prisão preventiva nos tribunais, mas encontraram pela frente outros magistrados que enxergaram respaldo nas medidas tomadas por Moro.
Veja o porcentual de decisões reformadas do juiz Sergio Moro
Impressiona a quantidade de decisões mantidas no Tribunal Regional Federal da 4.ª região (TRF4), em Porto Alegre, instância imediatamente superior a Moro. Dos 254 pedidos de Habeas Corpus (HC), apenas seis (2,5%) foram concedidos integralmente. Outros oito foram acatados parcialmente, 16 estão em tramitação e os demais 224 foram rejeitados – ou seja, a decisão do juiz federal foi mantida.
Também no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) as prisões dificilmente são revogadas: dos 243 pedidos, houve reversão integral em uma situação e parcial em sete. Outros 40 casos aguardam julgamento. Os números foram pesquisados pela assessoria do Ministério Público Federal (MPF).
Em nota, a Associação dos Juízes Federais já “defendeu” Moro várias vezes, destacando que o sistema processual brasileiro garante três instâncias recursais e que, mesmo sem depender apenas do discernimento do magistrado, as decisões acabam sendo mantidas.
Para alguns advogados, a suposta “eficiência” das decisões de Moro tem uma justificativa. Em cartas publicadas na imprensa, alegam que o juiz é responsável pela supressão de direitos e que magistrados de cortes superiores evitam discordar para não serem alvos da opinião pública.
Algumas decisões bateram na trave
- Katia Brembatti
É alto o índice de decisões do juiz federal Sergio Moro confirmadas por cortes superiores, mas não bate os 100%. Logo, algumas medidas foram reformadas por outros magistrados. E o teor da mudança em algumas decisões chama a atenção. Como uma situação envolvendo o ministro Ricardo Lewandowski, que determinou a soltura do publicitário Ricardo Hoffmann, apontado como operadores no esquema, alegando que a prisão se configurava “constrangimento ilegal”. Em outra decisão, o desembargador João Pedro Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, concordou com a alegações da defesa do marqueteiro João Santana, reconhecendo que houve prejuízo no prazo de recurso porque os advogados não conseguiram acesso ao processo.
Ao avaliar a prisão do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, o ministro Teori Zavascki considerou que, apesar dos indícios evidentes de conduta criminosa, não havia qualquer indicativo de que o acusado fugiria do país, como sustentava a decisão de Moro que embasava o encarceramento. Em outra situação, Zavascki indicou que Moro praticava “dois pesos e duas medidas”: quem assinava acordo de delação premiada ia para casa, e quem não colaborava com a investigação tinha a prisão preventiva mantida. O ministro revogou, assim, algumas decisões de primeira instância.
No TRF4, outro paranaense na linha de frente contra a corrupção
- Katia Brembatti
As ações da Lava Jato que saem da 13.ª Vara Criminal Federal, em Curitiba, chegam à 8.ª Turma, no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), onde três desembargadores analisam conjuntamente os casos. Sediada em Porto Alegre, a corte é responsável por analisar os recursos de casos federais dos três estados do Sul do Brasil.
É nas mãos do desembargador federal João Pedro Gebran Neto, relator do caso, que as apelações da Lava Jato chegam. Curitibano, ele julga os processos acompanhado por um magistrado gaúcho (Leandro Paulsen) e um catarinense (Victor Luiz dos Santos Laus). Gebran tem 52 anos e foi promovido, por merecimento, a desembargador federal em 2013. Apesar de ter especialização em Ciências Penais, atuava até então mais em questões cíveis.
Gebran e Moro se conhecem bem. Eles cursaram na mesma época o programa de pós-graduação da Universidade Federal do Paraná. Contudo, o desembargador negou – publicamente, em resposta a um recurso – que tenha com o juiz proximidade que afete o seu julgamento. E afastou a alegação, feita por alguns advogados, de que seriam compadres.
Advogados que atuam na Lava Jato concordaram em falar sobre a atuação do TRF4 sob a condição de não se identificarem. Disseram que antes mesmo da operação, o usual era mesmo a manutenção das sentenças, com condenações igualmente “pesadas”. É uma turma composta há pouco tempo, mas que segue um mesmo padrão do tribunal desde 1990. Eles também relatam não terem percebido nenhum tipo de tratamento especial em relação à Lava Jato. Ainda destacaram que a turma do TRF4 é tão rápida quanto Moro – ou seja, ao contrário do que acontece em parte considerável do Judiciário, as decisões são proferidas em curtíssimo prazo.
Depois que Moro sair de cena – ele já anunciou várias vezes que pretende se afastar para estudar no exterior e que o caso se encaminha para a reta final –, o TRF4 passará a ter papel ainda mais enfático no seguimento da Lava Jato. É que os eventuais condenados passarão a cumprir pena imediatamente – tudo fruto do entendimento do Supremo Tribunal Federal, que determinou a prisão a partir de decisões de segunda instância. Por enquanto, a 8.ª turma do TRF4 tem considerado que apenas após esgotada a possibilidade de recursos impetrados na mesma instância é que a pena começa a ser executada.
Colaborou Joana Neitsch
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