Há alguns dias foi noticiado, pela imprensa mundial, a finalização de um grande tratado comercial envolvendo Estados Unidos, Japão, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Cingapura, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã. Coreia do Sul e Colômbia negociam também sua entrada no bloco comercial.
A formação de grandes blocos comerciais tem por finalidade a concretização do livre comércio entre os países envolvidos, iniciando-se com a eliminação gradativa das barreiras comerciais existentes e se prevendo mecanismos de compensações comerciais para ajustes futuros.
A unificação dos mercados, ou integração econômica, não é um fenômeno recente. Em 1703, Inglaterra e Escócia estabeleceram uma união política e também econômica. O mesmo sucedeu com a transformação da confederação em federação nos Estados Unidos da América.
Em uma “primeira onda” integracionista, normalmente situada entre os finais da década de 50 e meados da década de 70 do século passado, surgiram: (i) Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA, 1951); (ii) Comunidade Econômica Europeia (CEE, 1957); (iii) Comunidade Europeia de Energia Atômica (CEAA ou EURATOM, 1957); (iv) Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA, 1960); (v) Mercado Comum Centro-Americano (MCCA, 1960); (vi) Associação Latino-Americana de Comércio Livre (ALACL, 1960); (vii) União Aduaneira e Económica da Ásia Central (UAEAC, 1964); (viii) Comunidade Econômica dos Estados da África do Oeste (CEEAO, 1975).
No contexto da “segunda onda” de integração, surgiu, como aprofundamento da Association of South-East Asian Nations – ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático), em 1992, a Asia Free Trade Área (Zona de Comércio Livre da Ásia, 1993).
Foi formada também (embora por intermédio de acordos políticos e não por tratados) a Asia-Pacific Economic Cooperation – APEC (Cooperação Econômica da Ásia Pacífico, 1989), no âmbito de 17 países que representam 55% do Produto Bruto Mundial e 46% do comércio internacional, entre os quais Estados Unidos, México, Canadá, Chile, Austrália, Nova Zelândia, Japão, China, Coreia do Sul, Malásia, Taiwan, Tailândia, entre outros.
Ainda no continente americano surgiram a North American Trade Agreement – NAFTA (Acordo de Comércio Livre da América do Norte, 1994), constituindo uma zona de livre comércio entre México, Estados Unidos e Canadá, e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL, 1991), inicialmente formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Em 1995 (ano do início das atividades da Organização Mundial do Comércio) cerca de 53% do mercado mundial ocorria no interior dos blocos regionais. Em julho de 2003 somente Taipé Chinês, Macau e Mongólia, dos 146 países da OMC não participavam de bloco econômico algum, sendo que muitos membros da OMC participam de vários blocos econômicos simultaneamente.
A lógica comercial por trás desses tratados está na lei das vantagens comparativas ou dos custos comparativos.
Foi na obra “The Principles of Political Economy and Taxation” (1817) que David Ricardo sintetizou a lei dos custos comparativos, originalmente explicada a partir do exemplo comercial estabelecido entre Portugal e Inglaterra relativamente a vinhos e tecidos. Com sua teoria das vantagens comparativas conseguiu demonstrar que dois países podem beneficiar-se do comércio livre, ainda que um deles seja menos eficiente na produção de todos os tipos de bens relativamente ao outro. Concluía o autor britânico que cada país deveria se especializar na produção do bem que proporcionasse maior vantagem comparativa (vinho, no caso de Portugal, e tecidos, no que tange à Inglaterra).
Nas palavras de David Ricardo: “num sistema de comércio perfeitamente livre, cada país consagra o seu capital e trabalho às atividades que lhe são mais rendosas. Esta procura da vantagem individual coaduna-se admiravelmente com o bem-estar universal. Deste modo, estimulando-se a indústria, premiando-se os inventos e empregando-se o mais eficazmente possível as possibilidades especiais concedidas pela natureza, o trabalho é melhor distribuído e com maior economia que, aumentando a produção total, se espalha o bem-estar por toda a parte e se ligam todas as nações do mundo civilizado com os elos do interesse e intercâmbio. É este princípio que faz com que o vinho seja produzido em França e Portugal, que se cultive o trigo na América e na Polónia e que se fabriquem ferramentas e outros produtos na Inglaterra.” (Princípios de Economia Política e de Tributação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, tradução de Maria Adelaide Ferreira, 4ª edição, p.149).
A abertura do comércio leva a uma regularidade no fornecimento de certos bens e serviços, impedindo que se crie uma prejudicial dependência dos consumidores a certos produtores, propicia a diversidade de escolhas e, em princípio, tende a manter inalterados os preços praticados, ou por ventura diminuí-los, levando-se em conta as vantagens comparativas de cada país produtor em um comércio multilateral.
No mundo globalizado, é essencial para qualquer país que o comércio possa se desenvolver livremente, tanto internamente quanto externamente. As estatísticas demonstram que os tratados comerciais e a formação de grandes blocos econômicos revelam-se vantajosos para os países envolvidos. Regras claras e uma eficiente política interna de industrialização e desburocratização são fatores fundamentais para que um país tenha capacidade de competir com os demais membros do bloco, naquilo que lhe for mais vantajoso. Muito provavelmente esses fatores também explicam a razão pela qual o Brasil não conseguiu se firmar em nenhum bloco comercial, estando o Mercosul longe de concretizar as aspirações que levaram à sua criação. Mas esse é um tema para um próximo artigo.
*Anderson Furlan, juiz federal, presidente da APAJUFE - Associação Paranaense dos Juízes Federais.
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